segunda-feira, 30 de julho de 2012

I have a dream

Hoje é a noite dos sonhos. Das lembranças que não criámos, as fotografias que não existem guardadas no álbum antigo e poeirento. Afinal, diz-me o silêncio, nunca foste um passado. Sempre fui a incógnita dos dias que virão. Nas imagens que deveriam ter definido a minha infância, recordo-me tão mulher. Quando deveria ter sido apenas uma menina. Apenas mais uma criança, que os pais aconchegam. Não deveria ter feito tantas escolhas. Tantos recomeços. Tantas casas, tantos lares onde nunca fui eu. Tantas coisas. Tão poucas palavras. Tantas obrigações. Tanto desamor. Tantas promessas. Tão poucos desfechos. Nas fotografias que habitam as paredes, são apenas os olhos onde escondi todos os segredos que navegam a minha mente. A empatia. O dom que guardo no peito, os olhos que vêem mais do que deveriam ver. Gastos do tempo e do sal das lágrimas que nunca chorei. Sereno-me e o meu coração esconde-se na areia, por entre a água e som que acalma a mente inquieta. A alma rasga-se e divide-se, unifica-se e estilhaça-se, inúmeras vezes, milhentas, infinitas, repetindo um ciclo onde as pessoas chegam, sentam-se, sorriem e partem. Levam consigo pedaços de mim. Ângulos. Sorrisos que apenas elas me virão sorrir. A vida arrasta-me, sinto um dedo nas costelas, que fere, que marca o minuto em que o pé avança na direção do amanhã. Hoje é a noite da verdade. O cansaço abate-se finalmente na coluna e a verdade de um povo canta-me baixinho o fado do país em que a alma escolheu nascer. Por entre as brumas penso ver as pessoas que me deixaram. Os caminhos afastam-se e tocam-se apenas em breves eclipses. Amanhã, existirá o Sol que me queima a pele e que fere a íris cansada. Mas hoje, hoje é a noite da imensidão. Deito-me na areia e ouço-te. As palavras que não dizes, mas que te moram no coração. Pousas o braço na minha anca, guardas-me junto ao peito, sussurras-me ao ouvido. Ontem, hoje e amanhã é o teu corpo que amanhece junto do meu. É o teu corpo que abandono quando enfrento mais um Sol, mais uma jornada, mais um ciclo. Toco-te e tenho medo. Medo de saber que estás aqui. Medo do dia em que acorde e o teu corpo não repouse junto ao meu. Medo de finalmente aceitar que sou tua e nada mais existe para além de ti. Medo de me inundar de amor. Medo do tempo em que não estás, medo de um dia acreditar que nunca irás partir. O amor é a negação do Eu, a diluição da fronteira entre o aqui e o agora e o amanhã. O amor é a morte e a vida e o movimento do pulmão quando acorda. O amor é afinal, o medo e o medo que esse medo deixe de existir. O amor é único medo que é prazer. A tristeza da felicidade. Sol após Sol, rasgo a aceitação do teu Eu. Recordo os dias que partiste, os dias em que fingi que não sentia o teu cheiro, o teu espaço na cama e não eras tu. Um dia fui menina, mas nunca fui criança. Pesam-me as imagens dos dias que nunca existiram, as memórias que nunca criei. Espero-te, mulher. Deitada num areal, cansada do Sol e da mágoa, torpe de sentir. Sei que virás. Inundar-me. Abraçar-me e pedir desculpa pelo tempo que estiveste ausente. Espero-te. Sonho com os dias em que criaremos todas as memórias que a vida não me deu. Conquista-me. Reconquista-me. Toma-me. Sonha-me.