domingo, 13 de janeiro de 2013

Xaile

Na casa repousam os pedaços de vida com que vestimos os sonhos torpes. Onde estás tu, agora? As pessoas avançam, trabalham, labutam em busca de uma realização. E no fim do dia, fingem sorrir. Trazem nos bolsos um profundo vazio. Na noite, dobram os cansaços, perfeitamente dobrados. Colocam-nos na mesa de cabeceira, junto ao copo de água e dos sonhos por cumprir. Mergulham em sonos mal dormidos, Revisitam as angústias e os fados. Preenchem as paredes de retratos puidos. E quando a dor lhes dilacera o coração, roubam a arte dos cabides pendurados nas árvores. Quem sou eu, afinal? A louca, demasiado verdadeira para ser real. Queria saber cantar os poemas que enfeitam o percurso que me traz à casa. Onde adivinho o teu corpo. Vejo o teu vislumbre pelo canto do olho e percorro os quartos. Procuro-te nas fendas do branco, na escadaria do destino. As pessoas constroem países onde se quebram as rotinas. E no fim da noite, fingem acordar. Trazem nas pálpebras um profundo vazio. Erguem os corpos. Encaram de frente a amargura de profecias esquecidas. Das palavras nasce um xaile negro e vermelho. Perfumado de flores e amores. A tua voz ecoa pelas frinchas das portas. Recito poemas em que as sílabas são as letras do teu nome. Amor, amor, ternura dos meus dedos. As pessoas sentam-se junto à televisão e apagam os desgostos em mais um momento. Um buraco com que remendam a nódoa que lhes surge no canto da boca. A mediocridade lava-nos os pés. A vida é uma praia onde o mar revolto nos engana, nos arrasta com a força implacável de uma maré. Havemos de adormecer e acordar juntos, no suspiro de Deus. -

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Nascimento

Danço, livre, as pernas nuas e os pés a tocar a terra fria. A noite cobre-me a pele quente, enfeitiça-me o sorriso aberto. Vou mais longe, os dedos finos, as mãos que seguram o destino. O olhar agudo com que encaro a Lua. A noite trouxe a libertação da mágoa. De dia, teço, fio o chão, a garra com que te me rebelo. Sou Eu. Nem máscaras nem mentiras ocas. Avanço, firme. Os olhos já não me giram nas órbitas em busca da falha. A lógica já não me escraviza o corpo cansado. Aprendo e reaprendo os limites do ser. Cresço, mudo, sorrio. Deixo que a noite traga a minha voz cálida. Danço, livre. As mãos a agarrar o ar frio que me desperta os sentidos. A soma de tudo o que fui. Rio. Num êxtase que só alcança quem sofreu, quem sangrou em dias mais pequenos. Existe magia, existe verdade, existe breu e luz, existem começos e fins. As linhas do tempo curvam-se perante a beleza de uma alma crua. Envolvem-me os pulsos. Enredam-se nos cabelos. Perfumam-me. Danço, livre. Num orgasmo de descoberta e realização. Aceito a mão fria que a noite me estende. Alta. Esbelta. Vejo os pés brancos por baixo do vestido negro pontuado de estrelas. A Noite sorri-me. Os dentes brancos, os lábios rubros. Faz-me rodopiar nos seus braços. As minhas gargalhadas ecoam nas árvores. Propagam-se pelo Lago. Sinto os lábios da Noite no meu pescoço. A sua língua húmida a deixar um rastro de prata. (morro e renasço todas as manhãs. fénix renascida por entre os escombros das palavras. cheia de significados e segredos. apaixonada pela loucura e pela coragem) Encosto a minha cabeça no ombro suave da Noite. Passeio os dedos pela alvura do seu colo. Esqueço tudo. Revivo tudo. Sou Eu. O tempo não existe. É uma mera armadilha que nos aprisiona as sinapses. Danço, livre. Rezo, canto, rio. Não faço qualquer som. Caio de joelhos na terra. Sinto os dedos da Noite enterrados nos meus ossos. Deito-me no chão duro. Sinto o fluir da terra, a seiva como sangue que alimenta. Através das pestanas espessas encaro a Lua. Sinto o cabelo negro da Noite enredado no meu. Ouço a sua respiração. Adormeço. Livre. Exausta. Para amanhã renascer. Maior. Agarrar a vida nas mãos. Fazer o Mundo girar. Sinto as asas nas costas, a quererem quebrar a barreira da carne. Sonho com as Fadas e o Mundo para lá do Mundo. A Noite sonha a meu lado.