domingo, 16 de fevereiro de 2014

Ampulheta

Nas areias do tempo, a minha mente sabe e sente que um dia irás partir. Como partem todos os que fazem do Sol, a luz que transforma a seiva. A arte que transluz o dia, a noite que verga a verdade perante a evidência do ser. - - E ainda assim, a pele nega que um dia a manhã não traga a tua presença tantas vezes muda. Tantas vezes, suave. Tantas vezes serena. Como uma ilha que flutua na imensidão das correntes do Oceano. Escondida. Precisa. Esse dia, um dia há-de chegar. Há-de ser o primeiro de todos os dias, em que as cores surgirão para sempre desbotadas. O dia em que parte do meu coração, já não estará mais em mim. Estará plantado na tua ausência. E ainda que muda, ainda que tantas vezes suave, sei que estás sempre atento. Sempre com as tuas mãos abertas, o começo de nós. Tantos dias antes do nascimento. Tantos recomeços, tantos sóis antes do nosso primeiro choro. Esse dia, um dia há-de chegar. Em que terei que imaginar-te as linhas do rosto. As covinhas travessas do sorriso. E a voz, grave. Como grave são os teus olhos e as respostas com que ocultaste todas as perguntas do nosso percurso. Há-de haver um Sol, em que a seiva irá estagnar no caule das plantas. As correntes irão parar a sua dança com o vento. Em que a noite não irá beijar o dia. Esse dia, um dia há-de chegar. Mas hoje estás aqui. O teu cheiro ainda é teu. E as covinhas que te emulduram o sorriso ainda te abrem a ternura no rosto. Pudera eu quebrar a ampulheta do tempo, avô.