quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Donzela

A poesia seduz-me como uma mulher embriagada, o hálito doce a roçar a minha pele sensível. Sussurra-me mistérios e palavras que temo, como amuletos que guardam o teu coração. Vejo-a dançar, os cabelos longos a lamberem-lhe a cintura. Permaneço, muda. Trago uma tempestade no peito, que encerro com dedos leves. A poesia rodopia e ri, ri e as suas gargalhadas são manhãs de Primavera. Raios de calor com que agrilhoa a minha voz que morre nas paredes. O quarto rodopia, sinto uma náusea atirar-me num êxtase poético. A poesia segura-me o rosto nas mãos ossudas que se transformam em mãos de donzela. Abraço-a, rendida num quebranto que me rendilha as vontades. Rezo em silêncio para que este momento não termine, infinita rendição que torna as cores vibrantes e faz asas nascerem nos espaços entre as costelas. Dos olhos nascem pombas como lágrimas, nascem arco-íris como fotografias. Sei dela, que tem nome. Entreabro os lábios para a chamar, para lhe dizer de mim todos os segredos, todos os sonhos, todas as incógnitas, todas as esquinas, todos as portas. Entreabro os lábios e o seu perfume acre queima-me a língua. Num suspiro murmuro o teu nome.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

(re)Encontro

A tua partida reveste-se de um absurdo tão profundo, Que as cores invertem-se até que o ar reencontra o caminho Para os alvéolos. Onde a tua essência ressoa, as minhas mãos frágeis não te podem alcançar. Poderia escrever-te todas as cartas, todas as palavras, todos os silêncios. Nunca conseguiria descrever o momento da realização da tua ausência E a forma como este se repete num ritual diário, o coração teimoso a crer que Estás ainda à distância de um passo. É ainda a força do teu Amor que me mantém inteira, honesta, digna. Para que quando me sonhes, comA tua partida reveste-se de um absurdo tão profundo, Que as cores invertem-se até que o ar reencontra o caminho Para os alvéolos. Onde a tua essência ressoa, as minhas mãos frágeis não te podem alcançar. Poderia escrever-te todas as cartas, todas as palavras, todos os silêncios. Nunca conseguiria descrever o momento da realização da tua ausência E a forma como este se repete num ritual diário, o coração teimoso a crer que Estás ainda à distância de um passo. É ainda a força do teu Amor que me mantém inteira, honesta, digna. Para que quando me sonhes, como te sonho, nessa outra Dimensão que os meus olhos apenas Fantasiam, me saibas tua neta. Pedaço de ti, continuidade, linha recta do teu saber. (Re)encontro-te amanhã. Neste tempo sem tempo De realização do quão absurda é a existência pautada de ausências De pedaços da carne.o te sonho, nessa outra Dimensão que os meus olhos apenas Fantasiam, me saibas tua neta. Pedaço de ti, continuidade, linha recta do teu saber. (Re)encontro-te amanhã. Neste tempo sem tempo De realização do quão absurda é a existência pautada de ausências De pedaços da carne.

domingo, 26 de abril de 2015

Eco mudo

III Num eco mudo, o teu nome espelha a aparição da Dama Branca, O abraço seco com que largaste o último suspiro. Soube que esse era o primeiro dia do resto da minha vida. Em que as cores invertidas trocaram a tonalidade pelo opaco Das raízes que se esvanecem e jazem a meus pés. Fechou-se a porta da casa e o pó adulterou os teus passos silenciosos Nas manhãs em que o sonho embalava as nossas pálpebras. Eras a nossa certeza, o conforto sereno de te sabermos na retaguarda Dos nossos voos tímidos. Restam de ti as fotografias e as memórias que guardamos junto ao coração, Rentes à pele. Restam de ti os nossos sorrisos, os braços da árvore que eras tu.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Serpente Plumada

O coração despe a pele como uma serpente plumada. A saudade é como uma tinta que sufoca a respiração Do pulmão. Um reflexo de branco como branco era o teu sorriso. E a realização da tua ausência, a espaços, como a realização De um sonho lúcido, é uma mão gelada que acaricia a garganta. Por momentos, o corpo vacila, a mente recusa acreditar No que sussurra a razão. Diz-me baixinho que tu não estás mais aqui. Que para onde partiste não existe linha de conexão. O tempo pára, nesses momentos. Porque não existe sentido na Morte. O tempo não ameniza a dor da ausência fria Da minh’alma estilhaçada, um ponto de referência Que se perde nas memórias de outros dias. II Não podia imaginar que te ia recordar nos mais pequenos Momentos. Que os dias trariam de ti pedaços de sabedoria. Frases com que esculpiste a minha sombra. Recordar-te é uma rotina que finge apagar o rasto de dor Que a tua partida deixou. O ser humano crê conseguir preparar-se para deixar os que ama Desaparecerem por entre as brumas da memória. O ser humano crê. E falha redondamente. Nada nos prepara para um laço que perdura, Um Amor que nunca acaba e uma estrada que já não conduz A parte alguma.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Elegia

Os olhos cegam-te para as cores do mundo, O espectro de cinza confunde-te os sentidos. Não recordas o primeiro momento em que as íris queimaram Os indicadores da cor vermelha-sangue. Apenas reconheces dos dias o som apagado do bafio Em que se tornou o teu quarto e as paredes que te suportam a coluna vertebral. Com os anos mudas a pele uma e outra vez, como uma melodia Que os ouvidos reconhecem de cor. Coleccionas perguntas para as quais sabes as respostas. O coração bate, rítmico, embalado na ausência profunda de cor. Seguro. Seguro. Seguro. Seguro. Seguro. Do mar esqueces o sal. A água fria que te arrepia as certezas. Por vezes, o corpo anseia. Aninhas no teu peito o Vazio que te devora devagarinho As entranhas serenas. Seguro, seguro, seguro, seguro, seguro…

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Filhos de um deus menor

A pele sua a doença nos lençóis amargos Em que deitas o corpo. Nas mãos traças o destino cansado de si mesmo. Enrugam-se os olhos à espera do amanhã seco. O Sol curva-se sobre si mesmo, na curva nada te espera. Da morte restou o negro vazio da ausência. Queres os dias e as noites, o sonho e a realidade, o néctar A morder-te os lábios mudos. A vida piscou-te os olhos tantas vezes, ofuscou-te os sentidos Com promessas inúteis de dias longos e férteis. Pertences a um tempo negado, uma multidão cega de si mesma. Há medo escondido nas vértebras do teu sentir. Um rio poderoso de coisa nenhuma. Sentiste tanto e amaste tanto e foste tanto E nada resta de ti. Abres a boca e engoles o silêncio. Crescem-lhe asas na escuridão da tua mente e na eloquência dos teus actos. Pendem-te dos seios maduros, as chaves que te acorrentam os pulsos frágeis Aos pedaços de sonhos que mamam, famintos, fetos inacabados Filhos de um deus menor. Dos cantos da boca, o silêncio lambe-te as sementes de esperança. Abandonas-te à doença que te corrói a fragilidade do corpo suado.