Na casa repousam os pedaços de vida com que vestimos os sonhos torpes. Onde estás tu, agora? As pessoas avançam, trabalham, labutam em busca de uma realização. E no fim do dia, fingem sorrir. Trazem nos bolsos um profundo vazio. Na noite, dobram os cansaços, perfeitamente dobrados. Colocam-nos na mesa de cabeceira, junto ao copo de água e dos sonhos por cumprir. Mergulham em sonos mal dormidos, Revisitam as angústias e os fados. Preenchem as paredes de retratos puidos. E quando a dor lhes dilacera o coração, roubam a arte dos cabides pendurados nas árvores. Quem sou eu, afinal? A louca, demasiado verdadeira para ser real. Queria saber cantar os poemas que enfeitam o percurso que me traz à casa. Onde adivinho o teu corpo. Vejo o teu vislumbre pelo canto do olho e percorro os quartos. Procuro-te nas fendas do branco, na escadaria do destino. As pessoas constroem países onde se quebram as rotinas. E no fim da noite, fingem acordar. Trazem nas pálpebras um profundo vazio. Erguem os corpos. Encaram de frente a amargura de profecias esquecidas. Das palavras nasce um xaile negro e vermelho. Perfumado de flores e amores. A tua voz ecoa pelas frinchas das portas. Recito poemas em que as sílabas são as letras do teu nome. Amor, amor, ternura dos meus dedos. As pessoas sentam-se junto à televisão e apagam os desgostos em mais um momento. Um buraco com que remendam a nódoa que lhes surge no canto da boca. A mediocridade lava-nos os pés. A vida é uma praia onde o mar revolto nos engana, nos arrasta com a força implacável de uma maré. Havemos de adormecer e acordar juntos, no suspiro de Deus. -
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2 Comments:
belíssimo!
Querida Sílvia
Sinto um manifesto denunciador de que há vidas vazias... um mundo "Blade Runner"... um sufoco de nada...
Mas eu acredito no amor que entra pelas janelas e pelas portas, numa ordem que não sabemos o que é... sim, resta-nos continuar a lutar...
Beijo
Daniel
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