quarta-feira, 15 de maio de 2013

Café com Natas Revisitado II

Viu-a sentar-se no mesmo café, na mesma mesa e ainda assim os ossos pareciam-lhe mais leves. - Gosto sempre quando sorris. Ilumina-te a alma. A tua beleza só é completa quando sorris. Como resposta ela sorriu-lhe sem reservas. - Recordas do tempo em que não podia sorrir sem sentir uma névoa de mágoa a cobrir-me o coração – perguntou ela enquanto levava a chávena de café aos lábios suaves. Imaginou-se a cobrir-lhe os lábios com os seus, com a fome que o consumia noite após noite. Uma fome que não deixava lugar a dúvidas. - Sim, recordo. Tento imaginar que esse foi um tempo que não irá voltar. Ela sorriu-lhe novamente. Falou-lhe do seu dia, das pequenas derrotas e das pequenas vitórias e dos objetivos traçados. Ele respondia-lhe, apenas metade da sua atenção nas palavras. Memorizava-lhe os gestos contidos, os olhos atentos, a forma graciosa como inclinava a cabeça quando estava curiosa. E ela era infinitamente curiosa. Deliciava-se com a forma quase infantil como ela ficava intrigada e bebia dos locais e das pessoas que os rodeavam. Quase sentia ciúme do que lhe roubava a atenção, das mil e uma maravilhas que a mantinham suspensa. Ouviu-se gargalhar várias vezes e surpreendeu-se com o som das suas próprias gargalhadas. Não era um homem de humores. Não era um homem de grandes paixões. Não era um homem de intensidades. E no entanto, ali estava ele. Extasiado com a pele branca dela, a forma como o seu rosto se iluminava sempre que se sentia feliz. E ele queria ser a fonte, o caminho de toda a sua felicidade. - Estás diferente – interrompeu-a suavemente. - Pareço-te diferente? – viu-a inclinar levemente a cabeça, deliciosamente intrigada – Estou mais leve. De resto, não me sinto assim tão diferente. Viu uma sombra a rasgar-lhe o rosto, como uma dúvida permanente, um cansaço sem resposta. - Pareces-me mais forte. Mais liberta. Ela passou a língua pelos lábios e ele sentiu uma vontade tão forte de a apertar contra o peito, que sentiu o coração contrair-se. Nunca tinha sequer imaginado que o desejo podia doer fisicamente. Ela doía-lhe. Em todos os aspetos. Mas era ela também a sua cura, o pensamento leve que o impelia a tornar-se mais e melhor para a manter protegida. Cobriu-lhe a mão pequenina e apertou levemente. - Se eu acordar amanhã e o Sol for mais claro, ainda estarás aqui quando a Noite voltar? – sussurrou ela. - Sempre. Hoje. Amanhã. Mesmo quando pensaste que não estava e não me vias. Estive sempre tão perto que bastaria estenderes a mão e irias encontrar-me.

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