sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O anunciado fim do fim

Deito-me inerte junto à sepultura onde pretendo enterrar o meu amor por ti e a lembrança dos teus olhos cavos.
Deito-me, vergada pelo peso da evidência que neguei todos estes anos. Pelo desamor, pela indiferença, pelo grito que se inunda de silêncio.
Ouço a minha voz cansada a recitar passagens da minha vida. Eu, criança. Eu, menina. Eu, mulher. Sempre apaixonada pela tua imagem, pelos nós dos teus dedos, pelo azul dos teus olhos.

"Tu cresceste noutra direcção que não a minha. E eu fiquei sempre eu. Igual a mim própria e tão insuficiente para ti."

Existem dedos no meu cabelo. Não são meus. São de deuses que vieram prestar homenagem à dor que atravessa e esmaga a minha alma. Deixo que todas as lágrimas lavem os dias em que te fiz meu, em que invadi o teu ser, em que percorri os teus meandros em busca do rapazinho que sei que foste um dia.
Existem orquídeas a brotar do chão. Espinhos a aninharem-se no mármore. O cheiro da terra molhada. E o céu, cinza, a lamber a minha desolação.

"Tudo se resume a que eu acredito que sou a tua alma gémea, a outra pessoa que te fita do outro lado do espelho mas tu pensas diferente, procuras algo diferente. Tu não procuras compreensão e pulsar. Procuras qualquer coisa que te consuma rapidamente. E eu aceito isso."

Deposito quadros na alvura do esquecimento. Eu, de linho, alva a abraçar a tua insegurança. Tu, numa estação a recusar-me os lábios e o coração. Eu, sentada, frágil, tu a morderes-me o pescoço, a deixares as mãos urgentes vagarem.
Eu, tu. A tua voz na secura da noite a fazer-me confidências. Tu anos volvidos, a negares todas as verdades que alguma vez proferiste.

"Quando tu ainda eras tu em mim. E depois crescemos, mudámos, os teus olhos fugiram-me e eu talvez te veja ou talvez não, talvez sejas apenas uma miragem.
Alguém que acha que quando digo que me dói é só porque estou a ser mimada e caprichosa, que estou a tentar fugir por graça ou amuo."

As lágrimas são sangue e são água, são sal e desespero, são facas a rasgarem-me, são mãos ternurentas a ampararem a minha queda.
Não há noite nem dia nem sol nem lua no espaço onde sepultarei o teu rosto.
Aqui, é o fim e o início dos tempos. Nascemos e morremos na fonte, imensos e imensamente pequenos. Nus. Aqui será onde os meus pés um dia irão encontrar o teu corpo moribundo quando não existirem mais páginas, nem mais voos, nem mais ternuras.

"Não importava o homem que estava na minha cama porque no fim era o teu rosto nas pálpebras antes de dormir. Foi sempre assim que sentiste.
E depois achavas que tudo o que fazias era para o meu bem e assim justificaste o desamor, a capacidade de me magoar, de te ausentar, de fingires que não te importavas."

O tempo não faz sentido onde mora o coração. Não existe tempo para silenciar a língua traicoeira que me lambe os lábios. Não tenho mais palavras, mais pontes para criar entre o gelo do teu quarto e o fogo que me consome.
Finalmente, a solidão torna-se genuinamente só.

"E finalmente, acredito-te. Não te chego. Não porque não seja a tua alma gémea. Mas simplesmente porque estás demasiado ocupado. Estás num estágio demasiado diferente. O teu mundo, as tuas pessoas, as tuas dores são outras."

Sei que um dia não irei recordar os teus traços, as tuas linhas ou os teus pontos finais.
Sei que um dia vou acordar e não vou sentir-me angustiada pelo pulsar das tuas veias ausentes.
Sei que um dia nada mais irá restar de ti.

"Enquanto estiver serás sempre meu. Mesmo que julgues não ser. Mesmo que me leias agora com indiferença. No dia que a tua alma sentir tanto frio que as mãos se crispem é o meu seio que vais recordar. Será sempre o meu seio. Quando chorares é o meu rosto que te vai olhar como tu me olhaste tantas vezes. Quando o vazio estiver muito perto talvez te recordes que em tempos esteve ali alguém que pertencia no teu íntimo."

O fim. Do fim.

"Porque os ciclos também se fecham e eu não sou a tua eternidade, não agora, não nesta vida, talvez nem na próxima.
E porque me sentes sabes que falo sério. E porque me sentes sabes que te arranco de mim. E porque me sentes sabes que te digo que te espero no fim da linha como Morgaine aguarda Arthur, no fim do tempo."

Deito-me, tão pequena, na terra.
O escuro cobre-me as pálpebras.
O reino do sonho aguarda-me.
Tão.
Pequena.

"Preciso de alguém que não ache que vai encontrar melhor do que eu. Mais impacto. Mais profundo.
Sei que quando leres isto vais pensar que todas as pessoas partem. Talvez tenhas razão. Derrotaste-me. Sempre te disse que ficaria para empre.
Derrotaste-me. "

O anunciado fim.
Do fim.