quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O grito do silêncio (revisitado)

A pedido de um leitor recoloco aqui um poema que podem encontrar originalmente no antigo blog datado de 2006 (já vão uns aninhos valentes lol)
E demorei algum tempo a encontrá-lo.. Mesmo sabendo que as palavras eram claramente minhas.

Aqui fica :)

O grito irrompe-me o silêncio.
Hoje não grito sem voz.
Hoje grito até partir os espelhos.
Todos os espelhos.
Que reflectem a minha pele nua e pálida.
Sou frágil, penso.
Estou nua, desprotegida, cansada.
Estou cansada de lutar,
de rasgar o papel das paredes,
as bonecas de papelão.
Parem o carrossel...!

O grito irrompe-me a garganta.
Hoje grito para todos ouvirem.
Os que estão longe.
E os que estão perto.
Hoje não te poupo aos gritos
que me semeias nas mãos.
Hoje lanço-te,
farpas afiadas e agudas.
Verdadeiras.
Porque a verdade rasga.
A verdade dói.
A verdade, a puta da verdade...
Grita!
Ela rompe os meus limites,
os teus limites,
os nossos limites.
Hoje não somos nós.
Hoje sou só eu.
Eu... Nua. Sozinha.
Sem máscaras.
Hoje rasgo-te sem dó
porque a minha vida e a minha sanidade
estão em perigo.
Hoje não deixo mais que me
amarres os pulsos
ao teu sorriso amargo.
Hoje não permito, sequer,
que insinues o que não
pode
ser
insinuado.
Hoje odeio-te.

Grito...
Grito neste silêncio de mim,
tão meu,
tão inalterável pelo tempo
e pelas vivências de vida.
Há em mim um
mar revolto
que rasga o meu peito.
Há em mim
um estertor de morte.


Tomo II

(sussurrado)
Os passos dele
perturbam o silêncio
do meu espaço.
Invadem-me os sentidos
com uma urgência insuportável.
Os passos dele
apagam de mim
os rostos,
os nomes,
as vestes,
o que conheço.
O fim de mim em mim.
Os passos dele...
(grito)
OS PASSOS DELE
ARRASTAM-ME
PELO ESPAÇO
NÃO MEU...
NÃO MEU....
NÃO MEU...
APAGUEM DE MIM ESTE GRITO
APAGUEM DE MIM
ESTES PASSOS
ESTES... LÁBIOS,
ESTAS MÃOS NO MEU PESCOÇO
esta...asfixia...

Tomo III

Escrevo na parede
da loucura:
"Onde estás quando preciso de ti?
Estás infinitamente longe...
Quando...
preciso de ti
".

domingo, 24 de outubro de 2010

Cordão umbilical

No início dos tempos, no fio que conduz a eternidade,
o teu rosto era espelho do meu.
Reflexo perfeito da minha ternura,
contorno da infinitude do meu ser.
Na primeira palavra que seduz
o olhar, na luz que emana do âmago,
os teus olhos eram os meus olhos
e o teu sorriso era desenhado com os meus lábios.
Tu eras igual a mim. Os mesmos sonhos, os anseios
que nos curvavam, a intensidade dos desejos.
E nascemos neste mundo ligados,
a tua dor a minha dor, a tua mão o meu percurso.
Um dia amanheceu mais tarde e tiveste medo de ser tu.
Os traços que te definiammeu esbateram-se,
e as vozes que assombravam o teu destino ergueram-se
imbatíveis. Aprendeste a não ser tu, a enganar e a ser fraco.
Aos poucos adquiriste outras fotografias, outras mãos,
outros sorrisos pálidos, rostos falsos,
matéria terrena com que cobriste as infantilidades
e a ingenuidade. Tu deixaste de ser eu. E eu vi-te partir.
Voltavas, inevitavelmente, com as marés violentas da necessidade.
Afinal, dizias-me tu, eras ou não o coração do meu peito?
O pulsar do meu sangue. Eras ou não as cores dos meus sonhos?
Afogavas as feridas no bálsamo da minha pele,
reaprendias os caminhos da minha alma.
Era tão fácil, tão intuitivo, tão amor-paixão-cadência.
E eu desenhava magia na curva do teu braço.
Apagava de ti os vestígios de febre e da doença de não
seres tu. Perdeste-te assim, nas viagens que fazias
ausente da minha voz e do olhar vigilante.
Perdeste-te de mim, tornaste-te parte de outros,
assumiste máscaras, corrompeste os sonhos, a ternura,
o amor. Perdeste-te de ti. És incompleto.
Guardo-te ainda, a parte de ti que é tão minha que jamais poderá
ser de alguém. A parte de ti que não é tua para venderes,
para leiloares à facilidade de quereres abarcar o nojo
que é este mundo. Guardar-te-ei para sempre.
Escondido de ti próprio. Esse pedaço que rodeia o cordão
umbilical que nos une. Deixarei que sejas incompleto.
Deixarei que te destruas, que destruas a parte de mim
que vive dentro de ti. Deixarei que semeies a mágoa,
que quebres o meu sorriso.
A única verdade que me ensinaste
é que não precisamos ser unos para avançar.
Eu avanço sozinha. Com parte de ti escondida. Adormecida.
E dessa verdade construo um caminho.


Encontramo-nos no fim dos tempos.

sábado, 2 de outubro de 2010

Os dias em que morro dentro de mim mesma

Espaços. Dentro do coração.
Espaços dentro da alma, que desenham ausências nas mãos.
Espaços em que grito e me silencio.
Abarco as injustiças, os medos, as demências, os teus sonhos
e os meus. Num abraço mudo.
Fendas. Que rompem as tapeçarias com que vesti
as paredes da casa. Da mente. Das palavras.
Eu ainda sou tão eu.
Num quarto, numa casa, num momento pálido.
E por vezes o vermelho atravessa o tempo.
Alcança-me. Poderoso. O destino é medíocre
e eu talvez possa ser feliz dentro da mediocridade
de um país falido, de uma moralidade negada, de um coração
roto por dentro. Espaços.
Espaços em que consigo ser eu.
Espaços em que o amanhã é agora.
Espaços. Rasgões. Vislumbres. Lágrimas. Risadas.
Sentimentos. Eu ainda sei sentir.

A morte tão perto e tão longe. Ainda não. Ainda não ganhei o direito de cair numa queda eterna e maternal.
A morte a espaços.
Os dias em que morro dentro de mim mesma.