sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O anunciado fim do fim

Deito-me inerte junto à sepultura onde pretendo enterrar o meu amor por ti e a lembrança dos teus olhos cavos.
Deito-me, vergada pelo peso da evidência que neguei todos estes anos. Pelo desamor, pela indiferença, pelo grito que se inunda de silêncio.
Ouço a minha voz cansada a recitar passagens da minha vida. Eu, criança. Eu, menina. Eu, mulher. Sempre apaixonada pela tua imagem, pelos nós dos teus dedos, pelo azul dos teus olhos.

"Tu cresceste noutra direcção que não a minha. E eu fiquei sempre eu. Igual a mim própria e tão insuficiente para ti."

Existem dedos no meu cabelo. Não são meus. São de deuses que vieram prestar homenagem à dor que atravessa e esmaga a minha alma. Deixo que todas as lágrimas lavem os dias em que te fiz meu, em que invadi o teu ser, em que percorri os teus meandros em busca do rapazinho que sei que foste um dia.
Existem orquídeas a brotar do chão. Espinhos a aninharem-se no mármore. O cheiro da terra molhada. E o céu, cinza, a lamber a minha desolação.

"Tudo se resume a que eu acredito que sou a tua alma gémea, a outra pessoa que te fita do outro lado do espelho mas tu pensas diferente, procuras algo diferente. Tu não procuras compreensão e pulsar. Procuras qualquer coisa que te consuma rapidamente. E eu aceito isso."

Deposito quadros na alvura do esquecimento. Eu, de linho, alva a abraçar a tua insegurança. Tu, numa estação a recusar-me os lábios e o coração. Eu, sentada, frágil, tu a morderes-me o pescoço, a deixares as mãos urgentes vagarem.
Eu, tu. A tua voz na secura da noite a fazer-me confidências. Tu anos volvidos, a negares todas as verdades que alguma vez proferiste.

"Quando tu ainda eras tu em mim. E depois crescemos, mudámos, os teus olhos fugiram-me e eu talvez te veja ou talvez não, talvez sejas apenas uma miragem.
Alguém que acha que quando digo que me dói é só porque estou a ser mimada e caprichosa, que estou a tentar fugir por graça ou amuo."

As lágrimas são sangue e são água, são sal e desespero, são facas a rasgarem-me, são mãos ternurentas a ampararem a minha queda.
Não há noite nem dia nem sol nem lua no espaço onde sepultarei o teu rosto.
Aqui, é o fim e o início dos tempos. Nascemos e morremos na fonte, imensos e imensamente pequenos. Nus. Aqui será onde os meus pés um dia irão encontrar o teu corpo moribundo quando não existirem mais páginas, nem mais voos, nem mais ternuras.

"Não importava o homem que estava na minha cama porque no fim era o teu rosto nas pálpebras antes de dormir. Foi sempre assim que sentiste.
E depois achavas que tudo o que fazias era para o meu bem e assim justificaste o desamor, a capacidade de me magoar, de te ausentar, de fingires que não te importavas."

O tempo não faz sentido onde mora o coração. Não existe tempo para silenciar a língua traicoeira que me lambe os lábios. Não tenho mais palavras, mais pontes para criar entre o gelo do teu quarto e o fogo que me consome.
Finalmente, a solidão torna-se genuinamente só.

"E finalmente, acredito-te. Não te chego. Não porque não seja a tua alma gémea. Mas simplesmente porque estás demasiado ocupado. Estás num estágio demasiado diferente. O teu mundo, as tuas pessoas, as tuas dores são outras."

Sei que um dia não irei recordar os teus traços, as tuas linhas ou os teus pontos finais.
Sei que um dia vou acordar e não vou sentir-me angustiada pelo pulsar das tuas veias ausentes.
Sei que um dia nada mais irá restar de ti.

"Enquanto estiver serás sempre meu. Mesmo que julgues não ser. Mesmo que me leias agora com indiferença. No dia que a tua alma sentir tanto frio que as mãos se crispem é o meu seio que vais recordar. Será sempre o meu seio. Quando chorares é o meu rosto que te vai olhar como tu me olhaste tantas vezes. Quando o vazio estiver muito perto talvez te recordes que em tempos esteve ali alguém que pertencia no teu íntimo."

O fim. Do fim.

"Porque os ciclos também se fecham e eu não sou a tua eternidade, não agora, não nesta vida, talvez nem na próxima.
E porque me sentes sabes que falo sério. E porque me sentes sabes que te arranco de mim. E porque me sentes sabes que te digo que te espero no fim da linha como Morgaine aguarda Arthur, no fim do tempo."

Deito-me, tão pequena, na terra.
O escuro cobre-me as pálpebras.
O reino do sonho aguarda-me.
Tão.
Pequena.

"Preciso de alguém que não ache que vai encontrar melhor do que eu. Mais impacto. Mais profundo.
Sei que quando leres isto vais pensar que todas as pessoas partem. Talvez tenhas razão. Derrotaste-me. Sempre te disse que ficaria para empre.
Derrotaste-me. "

O anunciado fim.
Do fim.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A lenda V

Voltou ao templo. Ela sorria-lhe, como sempre lhe sorria. Tão perfeitamente coerente.
Puxou-a para si e segurou-a pelos cabelos, com força.
Ela olhou-o confusa. Sim, sim... Era ele que a tinha e que a dominava. Rasgou-lhe a roupa.
Aguardou que chorasse. Que dissesse o quão monstruoso era. Aguardou, o coração estilhaçado.
"amor" - ouvia-a arquejar - "que te fizeram? quanta dor consegues albergar no espaço limitado do teu corpo? quem rasgou a tua garganta?"
E ele sentiu-se compelido a contar-lhe todas as desventuras, todas as acusações, todas as máscaras, todos os pesadelos. Lambeu os lábios, fê-la recuar, tinha fraquejado, sabia que sim, sabia que ela o pressentiria.
Entrou nela, rebentou-a de tesão e lamento.
Só desta vez, prometeu a si mesmo. Só agora, só este pedaço de luz, só este sorriso.
Não sabia que sentimento era aquele que lhe transbordava da alma para o corpo, do corpo para o sexo, do sexo para o esperma. Não sabia que amor-demência-necessidade era aquele.
Amanhã não voltaria. A luz dela ofuscava-o, a exigência do seu amor.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A lenda IV

Chegou a casa. Deitou-se na cama e aninhou-se sobre si mesmo, esgotado, esgotado de sentir num grau de intimidade e intensidade que não suportava.
Iria esquecer a criança. A mulher. Os sonhos. O cheiro dela. A voz. O orgasmo.
Iria matá-la dentro de si.
Não suportava o laço que lhe pesava nos ombros, ela tão pequena, tão frágil, tão sua. Poderia estrilhaçá-la.
A ideia excitava-o, apelava à sua escuridão. Poderia apagar a luz do mundo. Queimar de si todo e qualquer vestigío de inocência.
Seria livre, completamente livre, não voltaria para ela, a ela.
Não queria que ela o amasse, não a queria. Não, não a queria.
Ela iria aprender que uma criatura de luz não fecunda a amargura fétida que espreita na escuridão.
Iria rasgá-la, iria magoá-la e ela partiria, para um qualquer lugar de luz que ele não sabia.
Deixaria de sentir a sua respiração, o seu semblante. Deixaria de procurá-la em mulheres que não o conheciam. Deixaria de estar enraizado.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A lenda III

Os meses roeram-lhe a carne.
Nos momentos que vagueava o mundo dos sonhos, os olhos ainda turvos de vigília podia jurar que a ouvia. Longe. As lágrimas e a angústia.
Mas ela era afinal uma criatura da luz. Viveria na luz. Continuaria a crescer na luz. Numa luz que ofuscava.
E ele não a iria tocar. Não a iria tornar numa sombra da sua mente estilhaçada. Ela era, afinal, o último reduto de inocência no seu mundo fantasma.
Não sabia em quantas camas acordaria mais. Não importava.
Os meses roeram-lhe a estrutura até que regressou faminto. Faminto de luz e de esperança, do sorriso e das palavras e da forma como ela o olhava.
Viu-a no momento que pisou o templo. Jazia no banco de pedra.
Abraçou-lhe o corpo frio e lambeu-lhe os lábios. Tocou-a. Escondeu o rosto no colo que tanto ansiava e ela não falou.
Suspendeu a respiração e procurou-a, desceu nela, na alma de luz e encontrou pedaços da escuridão que era sua. E soube-a.
Cobriu-lhe os lábios, desejou-a como nunca tinha desejado uma mulher, consumido de fome e desespero.
E ela abriu-se, deixou que os dedos se lhe enterrassem no cabelo.
Ouviu-a murmurar: "sabia que vinhas. virás sempre. quando não estás a vida esvai-se de mim. não amo os humanos, meu amor. não os amo, não os quero, minha criatura de escuridão. rompe-me, alimenta-te de mim, faz-me tua".
Quando a fitou já não era uma criança. Era uma mulher, uma mulher quebrada, una com a seiva que lhe corria na alma.

domingo, 15 de novembro de 2009

A lenda II

Volveram-se meses até que finalmente voltou. Voltou, hesitante, ao templo. Percorreu-o, com vozes a assombrá-lo, vozes que lhe diziam que a pequena criança-fada não estaria porque nunca existiu.
Quando finalmente se aproximou dos portões viu-a. Tão etérea como a recordava nos minutos que antecedem a morte da noite.
Tocou-lhe timidamente numa madeixa de cabelo. E ela falou novamente. Falou de infâncias, de mundos perdidos e de eternidades.
Deixou que falasse, deixou que falasse até que lhe soubesse de cor os lábios, os traços leves, as mãos brancas.
Deixou que falasse até que a noite anunciasse a chegada e partiu.
Nessa noite bebeu. Bebeu até esquecer a voz e o sorriso, as mãos e o colo. Não a queria dentro de si, a imagem viva de uma entrega que não sabia e não era possível.
Os dias consumiram-lhe a alma. Vieram mulheres. Como sempre vinham, atraídas pelo seu cansaço e pela solidão.
Esqueceu-a.

sábado, 14 de novembro de 2009

Lenda

No início e no fim dos tempos, viveu um rapaz de olhos mar-mágoa.
O rapaz vivia numa aldeia pobre. Onde as pessoas viviam do pão e dos laços frágeis que os uniam. Pessoas que não tinham tempo ou vontade de amar. Ou de descobrir o que é sentir.
Há noite, quando a lua se erguia, o rapaz ouvia as palavras que não eram ditas, pincelava quadros que traziam verdades que ninguém compreendia.
Apenas ele.
De manhã, acordava com as mãos trementes e os lábios murchos. Ele não queria ver tão longe, saber tanto, esconder o mundo nas mãos.
Viveu a sua infância negada. Viveu e com a idade aprendeu a esconder todas as verdades que ainda trazia nos bolsos.
Até que, jovem adulto, num de muitos dias em que passou junto ao templo ouviu cânticos.
Aproximou-se e o coração inundou-se de um sentir que nunca tinha sentido antes.
E viu-a finalmente. Era pequena e frágil. E forte. Era um começo e uma espiral.
Aproximou-se lentamente. A pequena sorriu-lhe. O sorriso que via nos sonhos que sonhava noite dentro. O sorriso que só ecoava num coração.
Poderia ter-lhe tocado e atravessar-lhe as veias, conhecer-lhe os recantos da mente. Poderia tê-la enlaçado de todas as formas que conhecia. E as que ainda não tinha descoberto.
Finalmente ela falou. Falou de brumas e infinito, falou-lhe das ânsias das estrelas, da dor que é nascer e respirar.
Falou-lhe e o rapaz limitou-se a fitá-la, atónito. Não sabia quem era nem quem trazia gravado na pele.
Poderia ter-lhe contado das suas viagens pelo limiar da verdade. Poderia ter-lhe falado das melodias que entoava na solidão. Poderia tê-la segurado contra si, poderia ter-lhe sentido o fluxo do sangue.
Não disse uma palavra. Fitou-a apenas até chegar a hora de partir.
No dia seguinte tentou não a lembrar. Afogou-se no trabalho, nas máscaras das pessoas da aldeia, nos seios fartos das raparigas que suspiravam pelo seu olhar mar-mágoa.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Cinza de Inverno

Existe Inverno no mais profundo do meu ser.
Inverno que se acomodou entre a minha voz e o rasto dos meus olhos.
O frio entorpece-me as memórias, os momentos em que estás e todos os outros em que carrego a tua ausência.
De manhã já não é o teu nome o primeiro a acordar-me dos sonhos. Nem a mão benevolente que me adormece.
Inegavelmente a névoa da distância encarrega-se de minar a esperança e o sorriso.
Hoje, pesas-me na alma como nunca. A dor atravessa as dimensões e alberga-se no coração.
Lentamente, a chama que me instiga a procurar-te nos outros, nos menos genuínos, nos grotestos traços de ti, extingue-se.
Não existem emoções que não sejam fugazes. Não existem homens que me prendam, que me fixem.
Não existem dias diferentes. Não existe cor no frio do Inverno que me enlaça.
Nem mesmo tu. Nem mesmo tu me prendes verdadeiramente ao teu semblante.
Nem mesmo tu, meu amor...

sábado, 31 de outubro de 2009

Veneno do meu coração

Poderei dizer que sei o que é amor enquanto não sentir o teu corpo nu manchado de água quente e sabão?
Enquanto não acordar, de um sonho suspenso e abraçar o teu corpo quente? Murmurar serenidades e loucuras?
Poderei saber o que é ter-te aninhado em mim horas a fio?
Poderei dizer que sei o que é amar-te sem que me rasgues o corpo e a alma?
Sem explorar todas as possibilidades, foder-te de todas as formas possíveis, respirar o teu ar, nascer e morrer em ti?
Sem te decorar o silêncio?

Diz-me então, veneno do meu coração, que sentimento é este que me morde as veias?

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A onda

Exponho a pele frágil ao escrutinar implacável da competência do destino.
Existe amargura no incumprimento de promessas, no finalizar de juventudes
que se afogam na mediocridade de se ser tão humano.
A estupidez grassa no verde da impaciência. Das paredes pendem
quadros de tintas negras em variados tons de lamento.
A arte seca, esquecida, no canto mais afastado do quarto.
O mundo move-se lânguido. O mundo que abandona diariamente
crianças nos braços famintos da podridão.

Exponho a pele frágil ao escrutinar implacável da competência do destino.
Existe ternura no sonho que espreita no mais cinzento dos passeios.
A sensualidade nasce nas palavras inusitadas de um estranho.
Possibilidades desconhecidas que se desnudam lentamente
e dançam embriagadas. Deliciosamente vãs.
A luz perdura no mais profundo breu.

A onda aproxima-se da minha psique.
Derruba-me. Sufoco. Tenho medo. Tenho tanto medo.
A onda aproxima-se.
Venço. Retenho-a. Afasto-a.
A onda reaproxima-se.
Sei que um dia a vou transformar em espuma e serenidade.
Exponho a pele frágil ao ressurgir imprevisível da onda.

A luz perdura no mais profundo eu.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

2 minutos

Recrio-me em mundos paralelos. Uma vez. Outra.
Renasço. Morro. No passado. No futuro.
Ouço-me dizer-te que te amo. Que te odeio.
Que te quero. Que quero que te fodas.
Recrio-me e a alma foge do espaço-tempo
que é viver entalada entre dois minutos apenas.
Sorrio e choro. És cobarde. És genuíno. És
apenas um filho da puta. O mundo avança
e eu estou presa noutra dimensão, as asas erguidas.
Nascem crianças que são minhas e são tuas.
São a soma de nós dois. Do melhor de nós dois.
Crianças que são o que fomos, mas que são muito
mais. Crianças. Que amamos. E elas existem,
algures. Presas entre dois minutos apenas.
Recrio-me e as possibilidades são infinitas.
Às vezes morro-te nos braços.
Outras vivemos eternamente felizes.
Presos entre dois minutos apenas.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Menina-Deusa

Está frio.
A mente rodopia nos braços do Outono.
Existe um mundo de verdades que brilham para lá da bruma.
Por segundos, a verdade parece tão clara. Tão óbvia. Tão minha.
Mas logo se esvai e deixa-me com a boca amarga de um beijo que não aconteceu. Um abraço interrompido.
Nos pontos de convergência de todos os pensadores, uma menina sorri.
Nas linhas que unem os pensamentos, no Inconsciente Colectivo que não conheço, nos efeitos, nas causas, nas consequências.
Ela sorri-me. Ela tem o segredo guardado junto do coração.
A verdade com todas as suas facetas é tão brilhante que me ofusca a visão. Sei que consigo vislumbrar algumas nuances. Mas nunca a verdade completa.
Porque a verdade completa vive na menina-deusa. Que sorri, belíssima. Imensa.
Aproximo-me. Estou tão perto... consigo ver os caracóis dourados. O sorriso inocente. A mente processa toda a informação e cede. Cede, eu sei que irá ceder, agora que estou apenas a um passo.
A menina-deusa sorri-me. Ela sabe que um dia vou conseguir alcançá-la. Ela sou eu. Menina.
O reconhecimento atravessa-me no preciso momento que o vejo. Debruçado sobre o pescoço dela. A beber-lhe o sangue. A amá-la. A matá-la. A violentá-la.

E a mente cede.

sábado, 3 de outubro de 2009

Dez de Copas

Meu amor kármico:

Se te pedir, com a voz embargada que me escrevas um texto, palavras tuas, sentidos nossos, escreves?
Se te murmurar noite dentro, que me embales o coração, que serenes as feridas, embalas?
Se te quiser, se te beijar sem barreiras, tomas-me?
Se te desejar, se te quiser dentro de mim a pulsar na imensidão do espaço, fazes amor comigo?
Se te ansiar, se te estender as mãos frágeis, recrias-me?
Se te implorar, por favor, por favor meu amor, não partas... Ficas aqui? No silêncio da felicidade eterna?

Se nascer de novo, num novo ciclo, amas-me como em todas as nossas vidas?

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Regresso

Voltas.
Como voltas sempre, amor. Fitas-me, cansado, os olhos obscurecidos e pouco crentes.
Abraças-me o corpo, absorves os espaços que são teus. Murmuras-me ao ouvido palavras sem sentido. Tens febre.
Pressinto a onda que mergulha a psique na dimensão que é nossa. Onde ninguém nos entenderia. Onde falaríamos um português que mais ninguém sabe falar.
Onde as palavras são apenas nossas e os sentidos foram atribuídos num passado distante.
Enraízas-te. Sei onde te nascem as feridas, sei que a febre não vai ceder hoje. Faço amor com o teu coração e com os dedos que se enterram na minha carne, deixo que me inundes de verde e de azul e de mar.
Purgo as feridas, suavizo a dor que é minha, que pulsa na minha essência e é tua. Nasce em ti e morre-me na língua. Que passo, áspera nos lábios.
Amanhã, sei que as abrirás e que as abrirás sempre e para sempre, enquanto todas as noites, toda a nossa vida, irei apagar as tuas cicatrizes. Por alguns momentos. Amanhecerás sempre igual, sempre meu. E de noite, voltas, amor. Voltas com o impacto de uma chuva de outono, violado de realidade e amargura.
Arrastarás o corpo, farás amor comigo, irás foder-me a alma, irás ver-me, tão claramente como se a carne não existisse na nossa dimensão. Terás dúvidas.
Terás certezas. Terás orgasmos mentais e físicos.
E a febre, talvez nunca ceda completamente.

Não quero que me ames de qualquer outra forma que não esta.

sábado, 12 de setembro de 2009

A esperança do coração

"Escreve para mim"

E o mundo revolta-se numa insinuação de pertença e de horror.
Caminhas os caminhos que conheço e sei, atravessas vales negros de bruma onde esqueces o teu nome.
Reaprendes a ser outro, deixas de ser tu. Ofereces o coração e a vida. E ela nega-te.

O mundo urra, o vento perfuma o inevitável, e eu escrevo-te. Escrevo-te sozinho, quiçá com uma pequena esperança a iluminar o vazio, quiçá com as mãos estendidas num gesto de súplica: "preenche-me".
Da súplica crio uma ponte, da ponte nasce uma ressonância, da ressonância sinto-te o pulsar quente das veias. És ainda dela. Quiçá um pouco meu.

O mundo cria impossibilidades, escolhas, oportunidades e encruzilhadas.
O mundo cria-nos e recria-nos.
E eu escrevo-te. Esperando, nesse acto, que a esperança do meu coração ecoe no teu.
Esperando que das minhas palavras luza uma estrela para onde possas escoar o teu vazio.

O amor violou-nos os sentidos. Até quando não sei. Dá-me a mão. Respira pelos meus lábios. Deixa que a sombra dos meus passos desenhe os teus.
Escreve-me. Solta as palavras. Renasce. Sonha. Tem esperança.

Escrevo para ti.
Preencho-te.
Sorri (me).

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Até que nova morte nos separe

Cresce a insatisfação no meu coração,
o púrpura que macula a alma,
rasga a inocência e me perpetua de dúvidas
e suspiros. Ainda sinto um coração que pulsa
e não é meu. Ainda sinto a língua ácida
de palavras que se descolam dos livros
para me salgarem os lábios feridos.
A maré de perguntas e incertezas que
afogam a terra firme e a transformam
em areais de fingimento. Longe, sinto
os sorrisos com que ocultas a mão
que te oprime a garganta, o grito que apagas
a cada momento, a lágrima que sufocas na íris.
Quando os planetas rodopiam,
ainda sinto o amor com que escravizaste
todos os meus poemas. Esse amor-doença-rendição.
Longe. A pulsar devagar.
Mente-me. Hoje. Amanhã. Eternamente.
Mente-me, mente-te, finge, finge que
o coração não tem sangue,
que as mãos não tremem quando o sol se põe
e não são os meus olhos a última visão
dos teus quando adormeces.
Mente-me. Vive a tua vida, longe, a vida que
não me ofereceste, mas que o destino
te roubou e largou a meus pés
ainda menina. Acorda, adormece, fode,
longe. Mente-te. Eternamente.
E quando a ressaca, amor, se abater
nos teus ombros e te vergar
as ilusões, virás, um tornado, um tsunami
de emoções. Irás passar a língua nas minhas
feridas e beber o meu sangue. Engolir-me
inteira. Irás renascer, respirar mais fundo,
o sangue irá correr mais depressa,
os olhos mais despertos, as mãos
mais firmes, irás sorrir, irás sorrir,
esse sorriso-doença-amor
até que nova morte nos separe.

sábado, 8 de agosto de 2009

A mágoa IS

De tantas palavras que sei
apenas o silêncio quebra
a fúria da mágoa.


Irina Santos

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Telas inacabadas

As telas inacabadas plantam o solo
de mentiras e palavras leve-maresia
que não te pesam nos ombros,
que me rasgas as inocências
e branqueiam os cabelos outra
negros e agora violados.
Meu amor, dizes-me tu, e na tua
boca toda a verdade é um engano
e finges, finges tão eloquentemente
que esqueces os caminhos e as
ternuras dos dias em que vives
em mim. O sorriso opaco esvai-se-te
do rosto, e amas-me, sofregamente
no momento infinito do fim.
Amas-me em pecado e em ilusão.
Transformas o tempo em maresia,
o ar em fumo espesso, o coração
em vazio, transformas a amizade
em amor e a tesão em loucura.
Dizes-me, engasgado, que existem
diversos sentimentos, todos eles
iguais, todos eles genuínos, todos eles
engodos. Dissemos tantos "adeus",
tantos "nunca mais", prometemos
tantas promessas vãs, afastámos
de nós toda a moral, toda a
consciência e decência.
Nasces na noite e morres-me na noite.
Lavo-te de mim, arranho-me de
desespero de te odiar com a mesma
intensidade que te amei.
E a loucura, amor, está tão perto.
Revejo cada pormenor, cada palavra,
cada soluço para garantir que escondo
todas as chaves do teu coração em locais
que não irei lembrar.
Foste o meu sonho e o meu pesadelo
e de todas as imagens que retenho de ti
"amo-te" foi a mentira mais hedionda
que semeaste no meu
regaço.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Verde

Os caminhos de ferro amarram-me o coração
e todas as ausências que iniciaram no teu abandono.
Era ainda menina, era ainda pura, era ainda uma promessa
e já os teus pés te levavam numa outra direcção oposta
à que te trazia ao meu sorriso. Depois de ti, todos os abandonos
foram previsíveis e menores. Posso visualizar-te,
perdido, a olhar o rio que banhou as tuas escolhas
que era de água e hoje é de sangue.
Posso imaginar-te os olhos verdes ainda tão cheios
de lágrimas e humanidade. Qual foi afinal a escolha
que te trouxe até aqui? Qual o momento, a palavra,
o impulso, a mentira, a pedra que te desmoronou?
Qual foi o dia que amanheceu para te ver morrer a esperança,
pai? Imagino-te onde estás agora, finalmente culpado de todos
os erros, engodos, mentiras, desilusões e filhos
que geraste mas não amaste de verdade. Deus pousa-me
a mão no ombro, aqui, amarrada pela crueza da solidão
e do peso do silêncio que nos desnuda. Deus sussurra-me
suavemente escolhas que não são escolhas são imposições
da minha consciência e das provações que não sei
se consigo superar. Deus espera que seja forte o suficiente
para irromper pela sala onde esperas que te afaguem
a amargura e te diga, com a voz entrecortada, que um dia
alguém acreditou em ti, alguém esperou uma festa,
um afago, alguém quis acreditar que podias ser melhor
do que és na realidade, alguém quis amar-te.
Deus aguarda pacientemente que compreenda que
todo este desenrolar de desvarios nos trouxe
às margens do rio onde um dia morreste para o mundo
e para mim. E que te diga, simplesmente, que este é o
derradeiro momento. Que te diga, mesmo sabendo que
não vais ouvir, que estás perdido, tu perdeste-te pai, e nunca
nunca mais te vais encontrar, mesmo que a minha voz te ressoe
nos ouvidos no teu último suspiro. Que deixe que a voz me falhe
ao dizer-te que lamento tudo o que aconteceu desde a minha concepção.
Que lamento o dia em que te perdeste, que lamento que me tenhas
falhado tantas vezes, todos os dias que não viste se tinha febre,
todos os natais, aniversários, todas as lágrimas que não
apagaste, todos os minutos da minha vida que não soubeste
de mim. Que lamento sequer que um dia, do teu sangue,
corresse o meu sangue, que lamento, lamento profundamente
que sejas quem és, que nunca tenhas sido meu pai,
nem das minhas irmãs nem de ninguém que algum dia
tenhas concebido. Deus aguarda, pacientemente, que
arraste os meus pés até ti e te mostre, finalmente,
que este desfecho sempre foi teu. Que lamente, não
por pena ou caridade. Mas que lamente porque não te amo.
Não te amo, pai. Deus aguarda, pacientemente, que consiga
dizer-te que o amor que não te dei, morreu dentro de mim
e rasgou-me a alma. Deus aguarda, pacientemente,
que me sente em frente aos teus olhos verdes
e que da minha voz cansada saiam as palavras
que só eu te posso dizer. Não podes, simplesmente,
ter pena de ti próprio e de escolhas que fizeste em plena
consciência. Não podes, simplesmente, ignorar que és culpado
de todo o desamor que cobre o verde dos teus olhos.
Para que possas utilizar os dias que engolirão as noites
e as noites que surgirão nos dias, o tempo que não irá
ter paragens nem soluços para talvez, apenas talvez,
um talvez tão pequeno que nem me oprime o
coração, apenas e tão só talvez, possas olhar-te no espelho
e descobrir o verde dos teus olhos.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Redimensão

Nas notas do piano abandono cartas e serenidades.
No piano abandono-me, finalmente despida do mundano.
Dentro do coração existem ainda melodias
e palavras que foram tuas. No coração ainda coexistem
momentos em que sustenho a respiração
para ouvir a Lua murmurar.

Gosto de me imaginar estável e estagnada.
Superficialmente feliz com o passar lânguido dos dias,
das vozes que surgem do ruído da imensidão do tempo.
Gosto de me projectar no cansaço dos dias
e sorrir-me de longe, do findar de mais uma noite
em que tudo parece tão claro e tão digno.

(a verdade do piano descai-me dos ombros
para o colo onde morrem as cartas que não te escrevi,
os dias que não acordei nos teus braços,
os beijos que não depositei no teu rosto)

Gosto de me imaginar correcta num mundo
onde não conheço as linhas da tua mão.
Onde os caminhos do teu desespero não te
trazem até à minha pele.
Gosto de me imaginar franca e enraizada
no chão que não pisas.
Gosto de me imaginar num abismo
onde o teu amor não me consome o peito quebrado.

(escondo-te no piano, na mudez das teclas,
na placidez do esquecimento)

Gosto de me imaginar num quarto onde o teu corpo
não procure apagar-me noutros orgasmos.

domingo, 28 de junho de 2009

Grito Renovado

Finalmente um grito renovado com novo eco.
Devido à situação ocorrida no antigo alojamento (weblog.com.pt) vi-me forçada a migrar o blog para o blogspot.
Ainda assim, acho que há sempre algo de feliz no que é inevitável. Afinal, gosto do novo espaço, das novas cores e funcionalidades. Gosto de gostar da nova fase.
Tal como as estações do Ano mudam, também as cores mudam na minha vida. Gosto de pensar que há algo de belo nos cinzentos que pautam a vida. Que afinal é tão pouco branco e preta.
Por enquanto, esta será a roupagem do grito que ecoa no nosso silêncio.

Espero que se sintam acolhidos no mundo da fairy_morgaine, nos sonhos, nos ecos, nos respirares.

Aguardo-vos.
Saúdo-vos.
E imerjo-me nas brumas.