quinta-feira, 27 de junho de 2013

Este mundo

Neste mundo em que o planeta gira e as pessoas julgam-se mutuamente, tudo nos parece banal. Pessoas que avaliam os lados de um quadrilátero quando a sua visão é somente redonda. Pessoas que ouvem seletivamente apenas as palavras que comprovam as suas teorias gastas. Neste mundo em que todas as noites, os corpos não descansam e se recolhem doridos numa cama dura. Corpos que se quedam como cartuchos de bala usados. Corpos que se inflamam de dor quando finalmente a coluna se acerta com a anca após dias de labuta. Neste mundo em que a música se perde, por entre todo o ruído branco. Ruído que nos martiriza até que tudo o que balbuciamos é sem sentido e estupidificado. Ruído que sodomiza os ouvidos de quem enfrenta uma luta diária. Neste mundo onde o amor se esquece por entre duas bebidas. Os dentes apodrecidos em sorrisos tortos. De quem pouco mais tem para esperar. Sorrisos que se desgastam pelas bermas das estradas, pelos degraus das escadas que ninguém sobe. Sorrisos que se diluem por entre o álcool com que se apagam as derrotas e os sonhos perdidos. Neste mundo onde as prioridades se invertem. E as regras deixam de ser claras, nada faz sentido. Regras que se dizem apenas para que as possamos quebrar por meros tostões. Almas que se vendem e se trocam por mais uma certeza mesquinha. Numa dança de cadeiras em que o último fica sempre sentado no chão e não na poltrona almejada. Neste mundo onde as crianças se abandonam. Negligenciadas, cheias de nada. Tempo que ninguém tem para dar. Crianças que choram nas noites escuras. Produto dos sonhos trocados por noites de perdição. Crianças que anseiam sorrisos e colo. (Tempo que ninguém tem para ceder). Neste mundo em que as cores desapareceram. E tudo é cinzento. Mesclado de coisa nenhuma. Não há força, não há futuro, não há esperança. Nem gana, nem rasgo, nem grito, nem impulsão. Nem explosão, nem travessão, nem exclamação. Não. Não há amanhã. Tempo. Neste mundo onde a estrada é apenas uma espiral recessiva de enganos. Onde as mãos se largam, suadas. Onde os dedos tremem de angústia. Os dias, longos. Tempo. Que não há. Ninguém tem. Nem os pais, nem as mães, nem as crianças, nem os velhos, nem os incautos. Neste mundo em que a canção se repete até decorarmos as letras encadeadas. A canção que nos acompanha, nas viagens claustrofóbicas dentro de nós. Pelos meandros da solidão. Canções intermináveis e suaves. Sozinhos, em posição fetal adormecemos. Tempo. Sonhos. Amanhã. (ninguém.)

terça-feira, 25 de junho de 2013

Ordem pré-definida

A noite cai-me sobre os ombros como um xaile sombrio.Silencia alguns dos monstros e alimenta tantos outros. Questiono-me. Qual a lição a aprender na rota dos abandonos e dos recomeços? De todas as ausências? Passo a língua áspera nos lábios ressequidos. Tenho sede de ti. As horas passam, lânguidas. Dentro da solidão não existe espaço para a partilha ingrata de pedaços de nós. Questiono-me. Quando a noite se quebra sobre ti, recordas o meu nome sedento? Observo-me ao espelho. Os olhos assombrados. Tenho sede de ti. Reconstruo a alma de dentro para fora. Trago-te, no peito cansado. Impaciente. E na tua voz, não existem memórias dos nossos sorrisos. Apenas pó. Questiono-me. Estarão todas as pessoas tão cheias de adeus, como eu? Bebo água para matar a sede que me consome e me ateia fogo. Tenho sede. De ti. Coloco pedaço a pedaço, numa ordem pré-definida os estilhaços do meu ser. Se os colocar da forma correta, de uma forma quase perfeita poderei enganar-me que estou inteira. Questiono-me. Em que momento no tempo, deixei de ser eu? Com os dedos desenho no lençol a curva do teu corpo. Tenho saudades. De ti.

domingo, 16 de junho de 2013

Mickey

Hoje, o meu coração pequenino parou de bater e com ele parte do meu coração e da minha alma ficam adormecidos. Não desaparecem, como não desaparece a imagem ternurenta do seu corpinho à minha espera na porta para me saudar todos os dias, sempre feliz. E é essa imagem que retenho na retina. Ele feliz, sempre meigo. O meu Mickey. O meu para sempre. Ontem e hoje e sempre. O amor infinito do seu coração pequenino. Que abre uma ausência profunda que nunca mais irá ser apagada. Mas sei que há-de chegar o dia em que os meus olhos já não ficarão rasos de lágrimas pela ternura infinita do meu pequenino. Nesse dia só ficará a lembrança tão doce de todos os momentos felizes que partilhámos. O seu amor incondicional. Eterno. Abençoado. O privilégio de o ter conquistado. E ele a mim. O meu Amor. O meu Mickey.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Estilhaços

Deixo sair o ar que retive dentro dos pulmões. Um ar quente que me engasgava a alma. Não quero correr para o amanhã. Não quero sentir que esperam de mim pedaços de carne que não sei dar. Trago o coração do lado de fora do peito. Vazio de esperança e sonhos. Fustigado pelos dias em que acordar era algo normal. Fustigado pelos dias em que as palavras eram flores e pedras de arremesso. Eram mais do que meras palavras. A solidão surge-me recta. Deixo sair o ar, e com ele a navalha que trago cravada nas costelas. Deixo que as recordações, o espaço, os dias, as noites me atravessem e finalmente sinto. Sinto tudo, com um furacão que varre as escolhas. Os ombros mais leves, o coração mais vazio, mais cansado, mais sensível e cru. Mas nada, nada, mesmo nada pode preencher-me enquanto o sangue se revolta dentro das veias. E tudo o que não é, tudo o que é a antítese, tudo o que é apenas uma promessa, irrompe de mim como um grito. Porque eu não quero. Não quero ser menos do que sou, sentir que nada em mim é certo, nada é vermelho, nada é lilás. Porque eu não vou conformar-me. Estilhaço as paredes, as linhas, as amarras, os limites, estilhaço as barreiras. E tudo o que é nada, tudo o que é tudo, tudo o que é certo e errado, e vermelho e lilás, tudo o que é um fim e e um recomeço, tudo o que me oprimia o peito, tudo o que me apertava a garganta volta a ser Eu. Deixo caírem-me as lágrimas pelo rosto. E nelas renasço. Deixo que a noite se abata sobre o meu corpo. Porque eu quero voltar a ser Eu.