segunda-feira, 30 de maio de 2011

Inexistência de regras

Sufoco.
As pessoas esperam, anseiam, estabilizam-me.
Sufoco.
O excesso. O excesso de travessões,
palavras com que fujo à evidência do amanhã.
O cansaço que me verga as vontades e as febres.
Sufoco. Grito. Grito e estilhaço as máscaras.
Esta sou eu. Tão errada como sempre,
tão cheia de imperfeições, tão louca e aguda.
Um dia vou ser linear.
Um dia vou ser previsível.
Um dia vou deixar de ser mar e furacão e fogo.
Um dia não vou queimar.
Um dia vou deixar de prometer a mim mesma
que vai existir um dia.
Esta sou eu.
E eu sou a natureza, eu sou o espelho,
o horror, eu sou o espinho, o teu coração nu,
eu sou a cadência, o pulsar de um erro
perpetuado. Eu sou a inexistência de regras,
as asas abertas, o corpo em queda,
eu sou sempre eu, sempre igual, sempre fascinante.
Como fascinante é o veneno que nos faz alucinar.
Sufoco.
Um dia vou mandar tudo para o caralho.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eternidade de metades

Deixo de sentir.
Páro de respirar.
Guardo o coração do outro lado do peito.
Deixas de existir em mim. Cresces noutro sentido,
enraízas-te em mulheres cujas linhas
em nada as compara com a explosão que é
a minha psique. Guardo as palavras
do outro lado do ponto final.
Hoje, finalmente, sei que tu já não és tu em mim.
Já não tenho perguntas.
Não existem espaços a preencherem as verdades.
Sei que nunca irás desaparecer.
Estarás sempre perto, as feridas a escorrerem sangue
que não sou eu que inflijo.
Sei que a tua pele continuará a ansiar a minha,
a fome de me veres nua prostrada a teus pés.
Mas é tão verdade que o teu desejo sou eu
como é verdade que o teu coração não me anseia.
Suspendo a minha alma cansada.
A vida desliza por mim a uma velocidade
estonteante. Não consigo sentir nem mais uma mágoa,
nem mais um impulso, nem mais uma ternura.
Os dias não esperam por nós, não aguardam que
estruture a capacidade de me relacionar com as pessoas.
Não me dão tréguas. Preciso da solidão,
preciso gritar, preciso tanto gritar.
Estilhaço os espelhos, as carências.
Vejo-me tão quebrada como sempre,
o futuro e uma inexistência de laços.
Deixo de sentir.
As palavras deixam de ser suficiente para sentir a ânsia
libertar-se, fluo e flutuo, angustio-me, tenho uma infinidade
de lágrimas e falhas.
Tudo o que tenho é o nada,
a privação emocional e tu que não estás aqui.
Ainda me precisas. E eu ainda te recordo
quando o meu peito quebra noite dentro.
Nunca mais te irei tocar.
E tu és a salvação e maldição que me condenou
a uma eternidade de metades.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Última Estação

Tacteio o espaço, o vácuo da tua ausência,
cega. Os dedos sentem a pele do teu rosto,
todas as palavras que nunca disseste,
todas as manhãs que não acordo e me deleito
com a perfeição das tuas pálpebras fechadas.
Estás tão perto e ainda assim,
não ouves a minha voz, não sentes os meus dedos
febris, não te pesam os beijos que poderia dar
noutros lábios, outros rostos que poderia percorrer.
Cega. E ainda assim, ofereço-te silêncio,
permito que partas. Cubro-me com a dignidade
que me sobra, a esperança vã que um dia o teu nome
não esteja tatuado na minha língua.
Imploro-te, imploro-te no desespero da noite
que me negues, que quebres tudo o que nos une,
que nos rasgues. Que digas de forma crua que não
te conheço, que não foi a pele do teu rosto que senti
a queimar-me a pele frágil dos dedos.
Tudo o que nos sobra é o silêncio que grita.
Estilhaça a máscara com que te encaro,
o sorriso que prostitui a minha tristeza.
Eu não quero fingir. Eu não quero.
Mas finjo. Por ti, para que te reencontres
onde não coexisto contigo.
Percorro os corredores e o meu passo
é firme. Escondo a angústia, escondo o sangue,
o sal, as cores. Desapareço, entro nas brumas
e deixo de ser eu e sou a Outra.
Guardo-me para a violação da noite,
para quando finalmente o corpo repousa
na angústia de te saber numa qualquer outra cama,
num qualquer outro orgasmo, consumo-me.
E em mim tudo grita e tudo é silêncio.
Quero-te aqui, quero-te tanto que o corpo se retrai
de dor, espasmos de impulsividade que me levam a
tactear o espaço, cega, a palavra atravessada
na garganta. Áspera, ácida, veneno,
veneno que me aspira os sonhos e os amanhãs.
Tenho os pés enraizados na minha dignidade.
Escorrem-me lágrimas dos olhos ferventes,
engulo-as, humilhada, coberta da vergonha
de não conseguir dar um passo que seja noutra direcção.
Todo o meu ímpeto queimado a manter-me
queda, os dedos finalmente mortos,
o olhar finalmente perdido,
as lágrimas finalmente secas,
a última estação e eu ainda na carruagem.