quinta-feira, 15 de julho de 2010

Tela

A dor entranha-se na alma como um perfume conhecido, parte da epiderme ressequida.
Aprofunda-se, negra, na plenitude do âmago, cria raízes
tortura-me infinitamente. Fito os olhos derrotados no espelho e é a tua voz que acalma
a superfície dura da verdade. Fui um dia tão plena de sonhos e irresponsabilidades.
A solidão serena do cansaço abraça-me. Deixo-me embalar, aguardo, a respiração
quase imperceptível. Onde estás? Percorro as divisões, os dedos acariciam as paredes
e os poemas onde pincelei o teu sorriso. Falham-me as palavras e o equilíbrio.
Deixo-me cair, devagar, deito-me no chão e enrolo-me em mim mesma.
A opressão do silêncio atravessa-me como ondas de um mar revolto.
Longe, há uma criança que chora, intranquila, antevê o borbulhar
do destino imparável. As pálpebras pesam-me, existe um sono mentiroso do outro
lado da casa. Onde estás? Ouves-me, nesse teu mundo árido? Ainda sonhas?
O que é afinal, o amor? O que é o teu coração suspenso num minuto
cheio de tudo? O que são os teus braços a envolverem-me num tempo
sem tempo, onde crescem plantas debaixo dos nossos pés?
E no silêncio existe um piano mudo. As teclas movem-se poeirentas
sem qualquer som.Talvez não se movam de todo. Talvez apenas imagine
as tuas mãos a tocá-las, como se acariciassem a minha pele nua.
Onde estás? Adormeço, os cabelos a cairem-me no rosto.

Chegas suavemente e deitas-te a meu lado.
Não violas o silêncio, não me acordas, não sorris, não imaginas
momentos felizes e preenchidos. Olhas-me apenas.
Murmuras: "estou aqui".