sábado, 29 de setembro de 2012

Estações

As estações passam, a eterna espiral do desassossego. As verdades que vertem na alma o licor com que embriagam os dias. Tatuagens da mente, frivolidades com que enganamos o passar da mediocridade. A alma é infinita, a força que escondemos as dúvidas, as desesperanças, os jogos que nos trouxeram à loucura. Arrumo suavemente as roupas, os momentos, finjo acreditar que amanhã o Sol nasce mais cedo. Aqui foram todos os inícios, todos os recomeços. Aconchego o coração na caixa prateada, ato-a com um laço vermelho rubro. Guardo-o. Cubro-o de silêncio e de ausência. Sussurro ladaínhas, deixo que as lágrimas lavem a humilhação, a curiosa capacidade de retomar o fio da minha vida. Acordo e adormeço envolta no fim. Eu ainda sou Eu. Ninguém poderá mudar o rosto, a quietude com que teço as linhas que torneiam a minha personalidade. Podem todos partir. Aqui eu sou eu. Este é o meu mundo. Onde posso gritar. As estações passam. Mas eu sou sempre igual a mim mesma.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Descoberta

Deito fogo às fotografias, aos sorrisos. Aos sonhos. Disseste-me "Ainda bem que és a última pessoa a sonhar." Fizeste questão em sufocar o sonho, em agarrar a raíz e arrancar a ternura do meu coração. Largaste o corpo, a carcaça, o despojo de mais uma fantasia. Mais um passo em falso, mais um recuo. Nada mais existe em mim que queira dar. Encerro tudo cá dentro. E grito. Finalmente. Grito até que me sangra a voz. Quebro tudo. Deixo que o nojo me cubra, me invada, como um espaço de nada. Toda eu sou um ponto final e uma negação. Cravo as unhas nas paredes. Renego as palavras. Finalmente, o silêncio. Finalmente, a noite. O profundo vazio que substitiu a mágoa. Eu deixo de ser eu. Vergo. Finalmente, derrotada. Os dias que não nasceram desaparecerem comidos pelas traças da realidade. Este sempre foste tu. E as vozes questionam-me. O motivo dos sonhos, das esperanças. Das ilusões com que ocultei a tua negligência. Grito. Grito. Grito. Grito. E nada existe e nada se cria. Tudo é revolta e náusea. E é a tua mão na minha coluna, a vergar-me o corpo cansado. Dizes-me: Não ouses jamais sonhar, não finjas que perdeste a visão, não digas nunca mais. Não ouses. Jamais. Sonhar. Grito. Descubro que para morrer não é necessário estar viva.