quinta-feira, 29 de maio de 2014

Pontes flutuantes

Embora o coração te sussurre ao ouvido, a tua mente impele os teus passos em frente. Nela, eu sei-te e (re)encontro o teu rosto, ainda que já não estejas aqui. Embora o coração te murmure verdades que te pesam nos ombros, gostas de pensar que bastará a força da minha vontade para te trazer de volta. Embora o coração te diga simplesmente, tu queres acreditar que te entregas e que eu te (re)descubro. Para ti, não importa quantas vezes mascares os teus caminhos, te escondas dos meus dedos, te afastes da minha pele. Embora o coração te doa no peito e te diga que um dia poderá ser o último, poderemos nunca mais, nunca mais, nunca mais... Acreditas com todas as tuas forças que eu te cobrirei os ombros feridos de beijos, os lábios abandonados de ternura. Embora o teu coração tenha medo, e te leve devagarinho a recuar, te diga baixinho que um dia eu poderei não estar aqui. Tu tens fé que o meu amor será sempre uma luz e que eu saberei enfrentar todos os demónios. Embora o meu coração me diga no silêncio, que os nossos âmagos nasceram na mesma fonte e que o teu coração bate ao mesmo ritmo que o meu. Eu sei que os teus pés vão querer levar-te para longe, para um mar revolto onde não coexistes com a fragilidade de amares. Embora o meu coração me prometa nunca desaprender a canção melancólica que traz o teu corpo com a mudança da maré, as minhas mãos cansadas escondem-se atrás das costas magoadas dos dias em que não te tocam. Teimosas. Frias. Fingindo-se desinteressadas do teu rosto resignado. Embora os nossos corações nos peçam e impeçam de esquecer. Decorámos todas as rotas de fuga. Para que as possamos trilhar sem pensar, sem sentir, autómatos. As palavras ficam suspensas entre nós. Pontes flutuantes para que o amor saiba sempre por onde regressar.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Incógnita

Devolvemos memórias, sorrisos e lágrimas, envoltos em papel de embrulho de má qualidade. Devolvemos as mágoas, os sonhos e as expetativas goradas. Devolvemos as linhas, os pontos finais, as reticências. Devolvemos as acusações veladas, os nuncas e os sempre, os talvez e os vazios. Devolvemos as mágoas, a carcaça onde morou o coração, as noites e os dias. Devolvemos os dedos entrelaçados, os lábios que nos pedem beijos que não sabemos dar. Devolvemos as exigências, as linhas com que limitaram os voos da nossa alma adormecida tanto tempo. Devolvemos os amanhãs, os olhos que nos fitam ao acordar cheios de interrogações. De perguntas para as quais sabemos as respostas de cor. E fingimos não saber. Devolvemos o tempo, os diálogos, as aprendizagens que nunca foram o que deveriam ter sido. Porque os nossos dedos nunca foram suficientemente gentis. Devolvemos tudo. E partimos sem olhar para trás, para um amanhã envolto na bruma de uma incógnita, moldado na certeza que tudo o que podemos ser, somos. E isso basta-nos.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Reverie

Reencontro-te num sonho nascido do beijo das pálpebras. O meu coração repousa nas tuas mãos, e o teu corpo navega por entre as brumas do sono, a meu lado. Beijo-te a pele que te reveste os sonhos e as mágoas. O meu corpo desenha-te nos teus lençóis, e nas paredes desfilam imagens que renasceram na penumbra. Despes-me a alma, atravessas o espaço que nunca existiu entre nós, apenas uma miragem de ausência. A minha pele inflama os teus dedos famintos. Bebo dos teus lábios a verdade que os teus não sabem falar. Sonho-te, febril, na noite escura. Adivinho os teus movimentos, seduzo-te, lânguida. Cobres-me os seios de ansiedade e as ancas de sede. Consumo-me de desejo, de silêncios que sufocam os poros de gemidos. Cubro-te os lábios com os meus. E neles apago todos os perdões. Reencontro-te num sonho, num mundo onde os nossos mundos colidem. O futuro, o passado, não existem. Apenas o teu corpo adormecido, perdido num sonho onde o meu sonho te reencontra

quarta-feira, 21 de maio de 2014

BOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOM

BOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOM Dizem que a vida nos rebenta nos tímpanos quando o silêncio grita todas as evidências que escolhemos ignorar. Para ganhar uma máscara bonita, tão cheia de perfeição e moralidade. Dizem que a vida nos fode por dentro, quando nada mais sobra do que nojo. Para nos elevarmos ao bafio do que é certo. E eu que sempre almejei ser errada. Dizem que a vida é tão terrivelmente sã, quando paramos de fingir sorrir em vão. Dizem que a vida nos prega rasteiras em que caímos de joelhos, as costas vergadas de humilhação. E não nos resta nada. E eu que sempre almejei ser eu mesma. Dizem que a vida nos rasga as certezas, despe-nos de todas as formas. Recordo-me, com os olhos ressequidos da ausência de lágrimas de desespero. Recordo-me. Das lições que me ensinaste. E eu que sempre almejei ser um vulto no sonho de deus. Dizem que a vida não se compadece do nosso cansaço. Que continua, implacável, até que a lição nos esteja cravada como uma faca, nas omoplatas. Dizem que a vida não espera que arrumes as tuas ideias, que reorganizes o coração. E eu que sempre almejei ser uma espiral. Dizem que a vida é um rio que corre para o mar, um sem fim de pessoas que nada sabem. Um desfile carnavalesco de rostos grotescamente desfigurados. E eu que almejei ter lágrimas sempre que as quisesse chorar. Dizem que a vida ama os bravos de espírito e os indomáveis. Dizem que a vida ama os seus filhos, mesmo quando o nosso coração nada sabe de amor. Não encontro no silêncio espaço para perdão. Está saturado de gritos. Verdades incontornáveis que ignorei, no esforço de fingir não me saber perdida de mim. Ouço o som do silêncio, por entre os gritos, acariciar-me: "Bem vinda a casa".

terça-feira, 20 de maio de 2014

A tua casa

Todas as noites são uma mesma noite. Todas as ausências, uma mesma ausência. Todas as palavras são uma mesma palavra. Passo a língua nos lábios intranquilos, para neles prender a verdade. Estejas onde estiveres, a tua casa reside no meu seio. Escrito por Ela

domingo, 18 de maio de 2014

A geometria do coração

Conheço-te a geometria do coração, o labirinto que é a tua mente e o lirismo dos teus dedos. Sei dos dias, a cor opaca com que esquecemos as portas que abrimos. E os monstros que rosnam do outro lado da ombreira. Existe medo na imprevisibilidade das palavras com que sufocam o ar nos pulmões. Aos poucos, permitimos que a alma se esconda nas sombras. Sempre que o medo me encolhia a vontade, a minha mente desenhava fugas nos muros da cidade. Esqueceste o caminho. Desenho poemas onde antes apenas existiam mapas para fora de mim. Tenho a alma quebrada, a coluna vertebral exposta. Regresso a casa. Abro a porta devagarinho, para não assustar os fantasmas. Entro sem um som e deito-me finalmente, com o coração a bater em uníssono com a seiva da terra. Fecho os olhos. A pergunta que me fizeram está pendurada nas paredes: "Onde está o sal das feridas?". Eles não sabem que te conheço a geometria do coração. Tu esqueceste-te de mim. E do caminho que traz os teus passos de volta a casa.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

O teu nome

Tenho o teu nome atravessado na língua como uma adaga. Um veneno que me percorre as veias até ao coração. Sinto as batidas do teu ritmo cardíaco, como uma canção que me move as ancas. Sei-te. O teu cheiro seduz-me como uma promessa. Um murmúrio do outro lado da linha. Os meus pés não hesitam em mover-se como asas. Estás tão perto, e as minhas mãos tremem de ansiedade. Os dias desapareceram e a minha tez ficou mais clara. Coleciono enganos e certezas. A tua voz sussurra-me ao ouvido. Semicerro os olhos, quero adormecer e encontrar-te ao despertar. Quero saber-te no onírico do meu mundo. Tenho o teu nome como um espinho, cravado nos dedos. Seduz-me. Traz-me até ti, arrastada pela força do teu desejo. Enlaça-me e faz-me esquecer a rouquidão dos dias. Prova-me tua. Apaga de mim a solidão. Tenho-te. O teu nome eternamente suspenso na linha dos meus lábios.