sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

O sentido do Caminho

Reencontro-me no silêncio, ideias difusas,
confusas, emergentes
atropelam-se por entre o sibilar da (des)rotina.
Se virar o olho para dentro
há um caldeirão fumegante de saber e de incongruências,
tão vasto que quase consigo acreditar que os mundos se fundem
e se confundem. As respostas e as perguntas misturadas
num fluxo milenar de sentiência.
O esforço, meu e dos outros, dos que viajam
na sombra dos dias, neste espaço entre o sagrado
e o profano, entre a ciência e Deus
transfigurado numa escada, uma corda
pulsante por onde nos chegam vibrações
do Universo e da multitude do Espaço e do Tempo.
Caminhos que percorremos sós, onde antes estiveram outros
e depois outros estarão, em busca, sempre em busca
da sonoridade, das linhas e dos travessões.
Da febre da criatividade contida, até rebentar
numa exigência gritante, fundamental, como se todos
os Homens e os que vieram antes dos Homens e os que virão depois dos
Homens, gritassem numa só voz, um uníssono
de procura. A insatisfação permanente no peito,
a mensagem pulsante que escrevemos em todos os poemas,
todos os livros, todos os ensaios. Nas peças de teatro,
nos filmes, nos papéis em que nos convertemos
emocionados, em que sentimos o que não é nosso,
é do Outro.
O sentido é sempre para lá do que é a distância de nós
até alguém, uma enfermidade benigna de saber,
mesmo sem acreditar. De sentir que podemos, devemos,
caminhemos, correremos, voaremos,
até ao fim e para lá do fim, de volta ao princípio,
de novo, hoje, amanhã, até que o pulmão páre,
uma e só uma travessia. No deserto, pelos oceanos de Estrelas,
até ao embrião e ao momento que a luz se cega nos olhos.

terça-feira, 18 de julho de 2023

Sal Amargo

De ti soube que percorres as estradas
em busca da liberdade que perdeste ao nascer.
Deixas pedaços de sombra como quem deixa poemas.
As palavras trazem-te sentidos que não queres
recordar. No vento esqueces as mágoas
e o (des)amor, um horizonte que te ilude
dia após dia, após dia.-

Cartas esvoaçam, fugidias, tremem.
Por vezes, à noite, quase podes sentir
o cabelo, o seio, o monte de Vénus,
a língua. Recordações? Ou a tua imaginação
a trazer-te os lábios de todas as mulheres que amaste
e as que juraste amar.

Perdem-se, esquecidas, nuas.

Escreves as palavras e apagas,
como quem apaga de si próprio o sangue,
o gene, o sal amargo dos dias.

quinta-feira, 2 de março de 2023

O meu corpo é uma prisão

 O meu corpo é uma prisão que se degenera
enquanto o tempo se eclipsa, o mundo
não se suspende quando a dor me
afoga, desinteressada.
Disassocio com os olhos vagos,
a estrada parece interminável,
médicos observam-me intrigados
com a infinidade de pequenos erros
que se atropelam para me envelhecer.
Percorro um corredor de gabinetes,
saio duma porta e entro noutra,
tomo um comprimido enquanto empurro
outra porta. A teia torna-se incrivelmente complexa
quando pequenos erros se juntam a outros erros,
emaranham a minha genética e tudo o que esteve
errado na minha vida. Cada grito que silenciei
entrelaça-se na probabilidade que a minha coluna
irá ceder antes de mim. Cada lágrima que me escorreu
pelo rosto, agregada ao sangue,
aos anticorpos que são anti. Anti o meu corpo.
Anti a minha genética. Um erro numa linha de produção,
um soluço da Humanidade, um engano
de Deus. Uma alma demasiado grande para
a fragilidade da pele.
Uma faca encostada à carótida enquanto respiro.