segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Tu.

A desumanização ocorre enquanto o silêncio se atravessa Na minha garganta como uma adaga. Cresce um feto de ausência no meu ventre. Um grito que afaga as palavras que não te trazem De volta. Como um rasgar de serenidades. Quem és tu, afinal? Quem o rosto impassível que me observa Enquanto despojos de mim surgem nas águas improváveis. Tu não estás mais aqui. A vida corre como uma gozação do Universo, Uma comédia negra de Deus. E o dia morre na noite, nada mais sobra. Tu não estás mais aqui. Contigo a poesia fria nascida de affair clandestino entre as estrelas e o mundo, Finge seduzir o meu corpo frígido. As letras caem das minhas feridas abertas. Não tenho como purgar o coração esquecido Nas brumas de outrora. E tu. Não. Estás. Mais. Aqui.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

New dawn

A vida lança os dados, ouço os planetas a mudar a sua rota milenar. Momentos suspensos, em que a sorte colide com o azar e tudo pode acontecer. A criação nasce da terrível coincidência de uma noite que se debruça sobre o dia. Num instante de perfeição, um what if de sentidos e pombas que nos pousam nas mãos. Abrem-se os caminhos e poeira cega-nos os olhos, regemo-nos apenas pelo sentir. O coração implode-nos no peito em cada batida, irrompe pelas barreiras e o sangue rasga-nos. A batida primordial da terra sussurra-me que é o momento dos meus pés me levarem num trilho que não era o meu. - - Encosto as mãos tímidas junto ao corpo tão cheias de nada. Só um passo. Só mais um passo. Só um outro passo. Um pequeno, miserável, trémulo, um passo por mim, pela minha sanidade, um passo em direção ao futuro, um passo, é apenas... é apenas... é apenas. É um passo, é um imenso passo, é um enorme é um destemido, é um grito que envergonha até o mais bravo silêncio. O tempo não espera que ouses saber o que fazer das tuas mãos inquietas. O tempo não se compadece dos teus lábios curvos, num desespero mudo de insegurança. Por vezes, doce criança, a vida tira-te todas as redes de segurança e tudo o que te resta são as asas que um dia soubeste usar, coladas na tua coluna vertebral. Os teus pés começam a marcha, as asas abrem-se devagar e o desfecho reside na força com que fechares os olhos e aprenderes a fazer diferente. Toda a mudança nasce do momento em que o desconforto te oprime o coração contra as costelas e sabes, com a clareza estonteante da angústia que amanhã nada será o mesmo.

domingo, 31 de agosto de 2014

A alma a esquecer-se de si mesma

Cubro-me de silêncio. Como um casulo que alberga as minhas asas cansadas. Escondidas, junto à coluna vertebral que balança mas não verga. Numa teimosia imperfeita de ser eu. No fim, nada resta senão folhas soltas ao vento. Esquecidas por entre as azafámas do dia mudo. E das palavras, amor, já nada sei. Ofereci-tas todas. Nada mais resta a habitar-me os lábios secos. Prometi-me um mar de certezas. Um futuro certo e um presente enraizado. E o passado seriam apenas dias quentes de sorrisos e ternura. Lembras? Os meus sonhos e as minhas angústias, todas as palavras que te entreguei embrulhadas em lágrimas e em sorrisos. Dei-te sonhos e dias inteiros. Noites rasgadas de incerteza. Dei-te o meu coração despojado de malícia. Dei-te um nome e uma casa. Paredes nuas para cobrires de fotografias e mapas que te trouxessem até mim. Dei-te todas as palavras cheias de mim. Cubro-me, então, de silêncio. Porque as palavras, os dias e as noites, não te chegam. E em ti há sempre uma ânsia de coisa nenhuma. De um lugar que os teus pés não pisaram. De uns lábios cujo sabor a tua língua não saboreou. De uma concretização de momento que teima em não chegar. Cubro-me, finalmente, de silêncio. Porque ainda sinto o teu cheiro e já te adivinho a ausência. E a noite nada mais é que o sepulcro de um amor que não chegou a nascer dos teus olhos para as mãos. Ficou-te suspenso nas íris. Perpetuado de incompreensão e amargura. Cubro-me e parto em silêncio. No espaço árido que é o teu coração os teus olhos são cegos aos meus. E das palavras, amor, que tantas vezes foram pontos de referência, já nada sei. Tudo em mim morre em silêncio. A alma não tem como sobreviver ao esquecimento de si mesma.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Magic

O coração cede perante a avalanche de sentimento que brota do mais profundo do meu âmago. Olho-te com os olhos que a vida secou com gestos bruscos. Cobres-me a pele de beijos e os dedos de estrelas. O tempo reverte o desfilar dos planetas. A mente silencia-se e tudo o que sinto é o som do sangue a ferver-me nas veias. Os lábios entreabrem-se para beber de ti, com a sede de anos em que aprendi a calar o coração. Prendes-me as mãos com laços de seda e pétalas de rosa. Prendes-me a mente na tortura mais benigna, na perda mais deliciosa de consciência. Sinto o corpo a arder de fome das carícias do som da tua voz. Invadiste a minha vida, o ciclo interminável de nada. Simplesmente invadiste-me. A loucura de um sonho, de uma noite interminável. Nasceste de um cometa que atravessou o meu céu. Cubro-te os lábios de sussurros, as mãos de beijos, o rosto de um mar de abandono. Esqueço como guardar o coração. Esqueço-me de como me defender. Esqueço-me da manhã. Tudo o que tenho é a noite a sorrir-me por entre estrelas que sabem do nosso destino e não contam.

sábado, 5 de julho de 2014

Desejo árido

Às vezes acordo para o desejo árido da vida não ser sempre tão dura e não ter que ser tão forte e enfrentar o mundo e o vazio obtuso em que as pessoas transformaram os seus corações. Às vezes acordo com um desejo profundo de esvaziar a alma de todas as pessoas sem sentido e que bebem do meu âmago como um líquido que as faz continuar e convencerem-se que o mundo ainda é recto. E em todas essas vezes, todas, desejo que no final me abrisses os braços e deixasses cair os muros com que te defendes de mim e pudesse repousar o corpo das batalhas desprovidas de significado.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Sonho de uma noite de Verão

A chuva convida à nostalgia e sento o corpo mudo no chão de madeira, debruçada no baú das memórias. Sorrio imperceptivelmente, enquanto retiro uma fotografia desbotada. Vejo-me, quase mulher, o sorriso menino-maduro como uma afronta, desenhado nos lábios. O corpo recostado, sereno, antes de inúmeras batalhas e após tantas outras. Ouço uma música longe. Melodias de outras eras, outros amores e desamores. Tantas escolhas e angústias que atravessaram o meu coração. E delas, renasci, nas asas uma frase. Vejo outra fotografia tímida. O vestido de linho esvoaça ao vento, assim como o cabelo comprido que esconde as linhas do rosto, que anseiam os teus dedos longos. Toco a imagem, com os dedos trémulos, como se fossem os teus. Sorrio. O mesmo sorriso-afronta. Com que encaro o mundo, com que desarmo o mundo. Dia após dia, após dia. Batalha após batalha. Outra fotografia, e estou numa praia perdida na memória. Seguro as mãos pequeninas do meu irmão-sol. Seguro-o, firme. "Estou aqui", pareço sussurrar-lhe. Procuro fotografias das minhas irmãs, pedaços da minha alma. Procuro-as, um vazio a soçobrar-me a tristeza. Não as encontro, apenas a memória feliz das noites em que dormi abraçada nos seus corpos magros. Mas sei-as agora, aqui, comigo. E a chuva amacia a mágoa. Vejo-a. A fotografia da minha outra irmã, capturada por mim, numa tarde de cumplicidades. Sorri-me, um meio sorriso de quem quer desabrochar. Ficou assim, suspensa em mim. Resguardada para a eternidade. Sinto uma lágrima descer-me o rosto, morrer no lábio. Foram tantas as tarde que não vivi onde queria. A chuva continua a cair lá fora, mas aqui já não cheira a terra molhada. Sinto o teu cheiro. Não ouso mover-me, não quero assustar-te. Há muito tempo que não via o teu sorriso e os teus olhos enormes. Pousas a mão delicada no meu ombro. Sinto outra lágrima fugir, teimosa, dos meus olhos castanhos. Tens os teus presos em mim. Não digo uma palavra. Mostro-te as fotografias. A alma nua, exposta. Pousas a cabeça no meu ombro. Há tanto tempo que não te sabia aqui. O teu rosto, ainda infantil, já tão teu. Murmuras ao meu ouvido - não chores. Pouso a minha mão sobre a tua, no meu ombro. Tenho um mar de lágrimas escondidas nos olhos. Quero ficar aqui contigo - dizes-me, menino. Trago-te devagarinho pela mão, para te sentares perto de mim. Sinto que um dia vou ter o coração dilacerado - dizes-me. Nesse dia, vais amar-me? Como agora? - finalmente, olho-te. Pareces frágil, tu, menino, sentado a meu lado. Os olhos grandes, com mares revoltos e lagos serenos e a chuva a refletirem-se nas íris. Sinto que um dia, vou esconder-me de ti - dizes-me. Não entendo porquê, eu não quero realmente esconder-me de ti, pois não? Faço-te festas no cabelo e no rosto e sorrio-te. Não, não queres realmente esconder-te de mim - respondo-te. É por isso que vieste. Que estás aqui. Não esqueças o teu coração - peço-te. Olhas-me, uma alma tão antiga como eu. Eu não quero esquecer-me de ti - dizes-me. Aninho-te no meu colo. Não vais esquecer-te de mim - prometo-te. Nunca. Adormeço contigo no colo, enquanto as lágrimas se misturam com a chuva. Foram tantos os perdões, tantos os erros, tantas lutas e a vida, a vida não devia ser tão difícil. Acordo e não estás comigo. Certamente foste brincar junto das folhas caídas de Outono. Na nossa casa, as Estações não se obedecem a regras. Amor? - sobressalto-me ao som da tua voz, não tu-menino. Tu. Observas-me, cansado. Subitamente envergonhado. Aguardo que me digas que te enganaste, que a palavra te fira de morte, que me digas que existem vários significados para a palavra amor. Mas não dizes. Observas-me apenas. Os ombros caídos. Enlaço o teu pescoço, escondo o rosto no meu ombro. Há pouco, pareceu-me ver-me, menino - sussuras. Deve ter sido um sonho - os teus olhos escurecem na noite. Quedo-me silenciosa, nos teus braços. Não te esqueças do teu coração - sussurro-te. Está adormecido - respondes-me e lanças um olhar vazio para a porta entreaberta. Não te esqueças - e cubro os teus lábios com os dedos. Não te esqueças.

domingo, 15 de junho de 2014

Cegueira do coração

Ofereço-te poesia em troca de sorrisos. Mãos abertas em troca de punhos cerrados. Chuva de ternura que acalma as feridas abertas em troca de uma calma que enregela os meus dedos já entrelaçados nos teus. A alma nua esconde-se, subitamente envergonhada dos teus olhos secos. Nas tuas mãos tens o meu coração, quebrado. No teu rosto, fechas as emoções e murmuras que não o reconheces. Engulo em seco todas as palavras que afogo num copo de vinho que me queima as entranhas. Esqueces as pontes que ergui para te trazer de volta à fonte. Esqueces o meu nome. Se soubesses todas as linhas que me amarram ao teu corpo, ao teu cheiro, ao teu sabor, se soubesses... Enlaço-te enquanto te debates com os demónios que te devoram a noite. Acalmas nos meus braços, e eu amo-te infinitamente nesse momento suspenso. Acordas e afastas-te a cada minuto, a cada passo. Combato o impulso de te perseguir, de deixar as palavras sair como um rio de amor que te trará ao mar que é a minh'alma. Não me vês. Não me vês. Não me vês. A pior cegueira é a que acomete os olhos do coração.

terça-feira, 10 de junho de 2014

O sonho da solidão

Sonho: Num mundo paralelo, entro na casa que partilho com o passado. Observo as paredes, a ausência de fotografias com sorrisos. Na janela, o cinza do tempo, fere-me as retinas. O sol há muito que se despediu da terra fria. Vejo-te e o meu coração está cheio de nada. Sinto a garganta apertar-se de desespero, de uma energia que impele os meus pés a fugir mais uma vez da miséria da mediocridade. Explico-te os motivos, ignoro o cheiro líquido das paredes húmidas. Quero que os meus dias sejam docemente solitários. Aceitas a minha decisão, sem grande luta ou indecisão. Pedes-me apenas um prazo curto para refazeres as tuas lutas. Passam-se os dias e regresso à casa que partilho com o passado. Tentas em vão, seduzir-me o corpo e a mente. Não te quero, não compreendes? Não vês a rejeição do meu olhar chocado? Afasto-me como um animal ferido, enquanto te despes. Não quero... não quero... não quero. Sinto um nojo a inflamar-me a revolta. Sinto-me um pedaço de carne exposto, um prémio de caçada. Recuo, recuo até à porta e saio, voo para longe d casa. Pago-te para que partas. O Sol volta finalmente, após tantos dias longe da minha psique. A solidão é um balsámo poderoso para as feridas da alma.

domingo, 8 de junho de 2014

Não existem concidências

Não existem coincidências. Existem linhas de tempo, intemporais, que nos levam ao ponto comum do destino. Não existem lutas que não podem ser ganhas. Existem apenas resultados que são o que deveriam ser e não o que queríamos que fossem. Não existem rotas de fuga. Existe apenas a noção clara que esteja onde estiver, estou sempre no mesmo coração. Nunca te arrependas do momento em que o teu olhar cruzou o meu, em que as linhas do teu rosto se tornaram a quimera do meu desejo. Não existe engano na nossa complexidade. Existe uma redefinição do que é ser humano e da paleta de cores com que pincelo a realidade. Todos os rios, todos os cursos da água límpida do nosso sangue, todos os respirares, todos os orgasmos, todas as discussões, todas as lágrimas, todas os recomeços. Me trazem até ti. Eu não seria eu sem ti. E eu amo a pele do meu rosto, nua sem máscara quando a tocas.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Pontes flutuantes

Embora o coração te sussurre ao ouvido, a tua mente impele os teus passos em frente. Nela, eu sei-te e (re)encontro o teu rosto, ainda que já não estejas aqui. Embora o coração te murmure verdades que te pesam nos ombros, gostas de pensar que bastará a força da minha vontade para te trazer de volta. Embora o coração te diga simplesmente, tu queres acreditar que te entregas e que eu te (re)descubro. Para ti, não importa quantas vezes mascares os teus caminhos, te escondas dos meus dedos, te afastes da minha pele. Embora o coração te doa no peito e te diga que um dia poderá ser o último, poderemos nunca mais, nunca mais, nunca mais... Acreditas com todas as tuas forças que eu te cobrirei os ombros feridos de beijos, os lábios abandonados de ternura. Embora o teu coração tenha medo, e te leve devagarinho a recuar, te diga baixinho que um dia eu poderei não estar aqui. Tu tens fé que o meu amor será sempre uma luz e que eu saberei enfrentar todos os demónios. Embora o meu coração me diga no silêncio, que os nossos âmagos nasceram na mesma fonte e que o teu coração bate ao mesmo ritmo que o meu. Eu sei que os teus pés vão querer levar-te para longe, para um mar revolto onde não coexistes com a fragilidade de amares. Embora o meu coração me prometa nunca desaprender a canção melancólica que traz o teu corpo com a mudança da maré, as minhas mãos cansadas escondem-se atrás das costas magoadas dos dias em que não te tocam. Teimosas. Frias. Fingindo-se desinteressadas do teu rosto resignado. Embora os nossos corações nos peçam e impeçam de esquecer. Decorámos todas as rotas de fuga. Para que as possamos trilhar sem pensar, sem sentir, autómatos. As palavras ficam suspensas entre nós. Pontes flutuantes para que o amor saiba sempre por onde regressar.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Incógnita

Devolvemos memórias, sorrisos e lágrimas, envoltos em papel de embrulho de má qualidade. Devolvemos as mágoas, os sonhos e as expetativas goradas. Devolvemos as linhas, os pontos finais, as reticências. Devolvemos as acusações veladas, os nuncas e os sempre, os talvez e os vazios. Devolvemos as mágoas, a carcaça onde morou o coração, as noites e os dias. Devolvemos os dedos entrelaçados, os lábios que nos pedem beijos que não sabemos dar. Devolvemos as exigências, as linhas com que limitaram os voos da nossa alma adormecida tanto tempo. Devolvemos os amanhãs, os olhos que nos fitam ao acordar cheios de interrogações. De perguntas para as quais sabemos as respostas de cor. E fingimos não saber. Devolvemos o tempo, os diálogos, as aprendizagens que nunca foram o que deveriam ter sido. Porque os nossos dedos nunca foram suficientemente gentis. Devolvemos tudo. E partimos sem olhar para trás, para um amanhã envolto na bruma de uma incógnita, moldado na certeza que tudo o que podemos ser, somos. E isso basta-nos.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Reverie

Reencontro-te num sonho nascido do beijo das pálpebras. O meu coração repousa nas tuas mãos, e o teu corpo navega por entre as brumas do sono, a meu lado. Beijo-te a pele que te reveste os sonhos e as mágoas. O meu corpo desenha-te nos teus lençóis, e nas paredes desfilam imagens que renasceram na penumbra. Despes-me a alma, atravessas o espaço que nunca existiu entre nós, apenas uma miragem de ausência. A minha pele inflama os teus dedos famintos. Bebo dos teus lábios a verdade que os teus não sabem falar. Sonho-te, febril, na noite escura. Adivinho os teus movimentos, seduzo-te, lânguida. Cobres-me os seios de ansiedade e as ancas de sede. Consumo-me de desejo, de silêncios que sufocam os poros de gemidos. Cubro-te os lábios com os meus. E neles apago todos os perdões. Reencontro-te num sonho, num mundo onde os nossos mundos colidem. O futuro, o passado, não existem. Apenas o teu corpo adormecido, perdido num sonho onde o meu sonho te reencontra

quarta-feira, 21 de maio de 2014

BOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOM

BOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOM Dizem que a vida nos rebenta nos tímpanos quando o silêncio grita todas as evidências que escolhemos ignorar. Para ganhar uma máscara bonita, tão cheia de perfeição e moralidade. Dizem que a vida nos fode por dentro, quando nada mais sobra do que nojo. Para nos elevarmos ao bafio do que é certo. E eu que sempre almejei ser errada. Dizem que a vida é tão terrivelmente sã, quando paramos de fingir sorrir em vão. Dizem que a vida nos prega rasteiras em que caímos de joelhos, as costas vergadas de humilhação. E não nos resta nada. E eu que sempre almejei ser eu mesma. Dizem que a vida nos rasga as certezas, despe-nos de todas as formas. Recordo-me, com os olhos ressequidos da ausência de lágrimas de desespero. Recordo-me. Das lições que me ensinaste. E eu que sempre almejei ser um vulto no sonho de deus. Dizem que a vida não se compadece do nosso cansaço. Que continua, implacável, até que a lição nos esteja cravada como uma faca, nas omoplatas. Dizem que a vida não espera que arrumes as tuas ideias, que reorganizes o coração. E eu que sempre almejei ser uma espiral. Dizem que a vida é um rio que corre para o mar, um sem fim de pessoas que nada sabem. Um desfile carnavalesco de rostos grotescamente desfigurados. E eu que almejei ter lágrimas sempre que as quisesse chorar. Dizem que a vida ama os bravos de espírito e os indomáveis. Dizem que a vida ama os seus filhos, mesmo quando o nosso coração nada sabe de amor. Não encontro no silêncio espaço para perdão. Está saturado de gritos. Verdades incontornáveis que ignorei, no esforço de fingir não me saber perdida de mim. Ouço o som do silêncio, por entre os gritos, acariciar-me: "Bem vinda a casa".

terça-feira, 20 de maio de 2014

A tua casa

Todas as noites são uma mesma noite. Todas as ausências, uma mesma ausência. Todas as palavras são uma mesma palavra. Passo a língua nos lábios intranquilos, para neles prender a verdade. Estejas onde estiveres, a tua casa reside no meu seio. Escrito por Ela

domingo, 18 de maio de 2014

A geometria do coração

Conheço-te a geometria do coração, o labirinto que é a tua mente e o lirismo dos teus dedos. Sei dos dias, a cor opaca com que esquecemos as portas que abrimos. E os monstros que rosnam do outro lado da ombreira. Existe medo na imprevisibilidade das palavras com que sufocam o ar nos pulmões. Aos poucos, permitimos que a alma se esconda nas sombras. Sempre que o medo me encolhia a vontade, a minha mente desenhava fugas nos muros da cidade. Esqueceste o caminho. Desenho poemas onde antes apenas existiam mapas para fora de mim. Tenho a alma quebrada, a coluna vertebral exposta. Regresso a casa. Abro a porta devagarinho, para não assustar os fantasmas. Entro sem um som e deito-me finalmente, com o coração a bater em uníssono com a seiva da terra. Fecho os olhos. A pergunta que me fizeram está pendurada nas paredes: "Onde está o sal das feridas?". Eles não sabem que te conheço a geometria do coração. Tu esqueceste-te de mim. E do caminho que traz os teus passos de volta a casa.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

O teu nome

Tenho o teu nome atravessado na língua como uma adaga. Um veneno que me percorre as veias até ao coração. Sinto as batidas do teu ritmo cardíaco, como uma canção que me move as ancas. Sei-te. O teu cheiro seduz-me como uma promessa. Um murmúrio do outro lado da linha. Os meus pés não hesitam em mover-se como asas. Estás tão perto, e as minhas mãos tremem de ansiedade. Os dias desapareceram e a minha tez ficou mais clara. Coleciono enganos e certezas. A tua voz sussurra-me ao ouvido. Semicerro os olhos, quero adormecer e encontrar-te ao despertar. Quero saber-te no onírico do meu mundo. Tenho o teu nome como um espinho, cravado nos dedos. Seduz-me. Traz-me até ti, arrastada pela força do teu desejo. Enlaça-me e faz-me esquecer a rouquidão dos dias. Prova-me tua. Apaga de mim a solidão. Tenho-te. O teu nome eternamente suspenso na linha dos meus lábios.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Déja Vu

Na noite escura, os homens de bem deixam os espetros adormecer. Torpes de serenos antidepressivos. Como serena é a inexistência de uma linha escrita que traz os despojos de uma alma faminta junto à linha de água. Na noite perversa, não existem máscaras que disfarcem as rugas que apagam os contornos de um sorriso que desapareceu. Apagado por entre o correr implacável do tempo. Quisera eu acreditar na felicidade que os abraços prometiam. Quisera eu acreditar num caminho em que a poesia não ilumina a rebeldia que transforma as reticências em pontos de exclamação. Na noite pérfida, sinto um bater do coração no mesmo ritmo que as voltas do Mundo. Uma valsa conhecida. Adivinho-te. Na noite fria, o silêncio ensurdece quem o ouve gritar. Não existem segredos no cair da noite. Sei-os de cor. Quisera eu ignorar o déja vu que me enlouquece os sentidos. Quisera eu ignorar o meu nome suspenso nos teus lábios. Como um pedaço de pão com que marcaste o caminho de regresso. Como uma nesga de luz com que recordas como se encaixam palavras num poema. Um puzzle de letras e sentidos. Na noite, nada existe para além da verdade. Eu esqueci-me de mim. Perdi-me de mim. Senti-me e não era eu. Toquei-me e não era eu. Rasguei-me e não era eu. Quisera eu regressar a casa e saber-me aqui.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Princípio de mais um fim

Tinha os olhos como navalhas, as mãos vazias de um mundo maior. Tinha os braços cansados de tantas ausências, e a voz queimada de álcool que aquecia a noite escura. Tinha a pertença quebrada, e uma sensação de nada que lhe consumia as (des)esperanças. Era assim, uma percentagem pequena de tudo o que lhe compunha a língua e os lábios ressequidos. No mundo lá fora, quebravam-se famílias inacabadas e gerações inteiras de homens sem rumo. No espelho honesto, via o fogo que lhe tinha abandonado as pálpebras serenas. Um orgulho fugidio de não ser ele mesmo. Apenas uma mentira, uma meia verdade, um sonho perdido de alguém que nunca lhe irrompera vida dentro. Era no quarto que deitava o corpo ébrio, a mente enganada. Lágrimas cristalizadas que não soube chorar. Tinha uma névoa fina que lhe cobria o medo. Uma luz tremeluzente que se apagava dia após dia. Um capítulo final numa vida que nada era. Apenas uma promessa. Um momento no abraço de uma mãe. Tinha a visão toldada pela máscara com que escondia o verdadeiro sentimento. Uma manhã que lhe arrastava a vontade. Um vórtice de loucura a engolir a imagem que foi a bússola que o conduziu a parte nenhuma. No mundo lá fora, pessoas morriam todos os dias dentro de si mesmos. Os corpos podres, meras carcaças da fome profunda de um sentido. De um sentir que os faça viver. Apenas um suicídio moral, uma meia desistência, uma incapacidade de terminar a viagem de comboio que nos leva não sei bem onde. Sem sabermos de onde partimos, sem sabermos onde queremos chegar, sem sabermos o caminho, a linha que nos conduz. Tinha a cabeça a pender-lhe para o coração. Aquele era o princípio de mais um fim. Ainda não sabia, mas as mãos iam-lhe explodir de cor. Num recomeço, num quadro, num momento apenas. A máscara ia ficar esquecida num canto do quarto que o medo pintou de negrume.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Ampulheta

Nas areias do tempo, a minha mente sabe e sente que um dia irás partir. Como partem todos os que fazem do Sol, a luz que transforma a seiva. A arte que transluz o dia, a noite que verga a verdade perante a evidência do ser. - - E ainda assim, a pele nega que um dia a manhã não traga a tua presença tantas vezes muda. Tantas vezes, suave. Tantas vezes serena. Como uma ilha que flutua na imensidão das correntes do Oceano. Escondida. Precisa. Esse dia, um dia há-de chegar. Há-de ser o primeiro de todos os dias, em que as cores surgirão para sempre desbotadas. O dia em que parte do meu coração, já não estará mais em mim. Estará plantado na tua ausência. E ainda que muda, ainda que tantas vezes suave, sei que estás sempre atento. Sempre com as tuas mãos abertas, o começo de nós. Tantos dias antes do nascimento. Tantos recomeços, tantos sóis antes do nosso primeiro choro. Esse dia, um dia há-de chegar. Em que terei que imaginar-te as linhas do rosto. As covinhas travessas do sorriso. E a voz, grave. Como grave são os teus olhos e as respostas com que ocultaste todas as perguntas do nosso percurso. Há-de haver um Sol, em que a seiva irá estagnar no caule das plantas. As correntes irão parar a sua dança com o vento. Em que a noite não irá beijar o dia. Esse dia, um dia há-de chegar. Mas hoje estás aqui. O teu cheiro ainda é teu. E as covinhas que te emulduram o sorriso ainda te abrem a ternura no rosto. Pudera eu quebrar a ampulheta do tempo, avô.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Unconditionally

Nas malhas do tempo, prevejo-te. Pequeno, o teu coração magoado de tantas verdades que não querias descobrir. E o preço, é a tua inocência. Pendurada nas janelas, rasgada, esquecida por entre o correr dos dias. Não acredito na vida adulta sem tristeza. Sem uma mágoa dos sorrisos puros que se abandonam na infância. "Oh no, did I get too close? Oh, did I almost see what's really on the inside?" Vejo os teus dedos a transformarem-se em garras, que ocultas no silêncio prateado do teu pêlo. Ontem um menino, hoje um lobo. Solitário. Dias a preto e branco, sem qualquer sombra de vermelho. Queria segurar-te, por entre os meus braços e murmurar-te: "Unconditional, unconditionally I will love you unconditionally" E com a certeza que um dia o vermelho voltará a iluminar os teus dias. Voltarás a ser tu. "All your insecurities All the dirty laundry Never made me blink one time" Questões que afogaram em ti a espontaneadade, a capacidade de não pensares, de apenas sentires. Todas as filosofias que tornaram o teu semblante escuro. Esquecido de si próprio. "There is no fear now Let go and just be free I will love you unconditionally" Vejo-te, tão meu. Enquanto escondo o meu rosto no teu ombro e te murmuro: "segue o meu amor, para lá dos teus limites, da tua segurança, da tua zona de conforto. deixa a prudência, deixa que o teu coração se inunde de ternura e entrega". E eu vou amar-te. Ser tua. Incondicionalmente.