sábado, 23 de abril de 2011

Fingimento

Houve alturas em que a raiva inflamava as tuas partidas.
Em que sentia o sangue a ferver-me nas veias, a queimar-me, a impelir-me a fuga.
Nesses momentos, sentia que não sentia a tua partida. Convencia-me que nada mais restava,
nem mais uma palavra. Nem mais um sorriso, nem mais um regresso.
Hoje, o regaço é uma tela de lágrimas.
E o coração pára de bater. Das tuas outras partidas acreditei que ficava bem sem ti.
Tinha o peito cheio de esperança que era aquela a última vez de todas.
Tudo o que tenho agora é o nada.
A convicção plena que te amo hoje mais do que nunca.
E esse amor nunca te chegou. Tens o coração escravo dos futuros
com que cresceste, menino, apaixonado pela fotografia que te abria as asas
para voares. Não consigo iludir-me que não tenho a alma
do lado de fora da pele. O constante frémito de te trazer até mim.
Mas escolho não viver. Escolho não respirar. Cobrirei a campa
da tua ausência com o vestido de linho branco.
Finjo para os restantes as estratégias antigas.
Finjo que acredito que fico melhor sem o teu sorriso.
Sem poder desenhar o contorno do teu rosto com os dedos.
Finjo que é positivo. Finjo que fiz tudo. Finjo que amanheço
e anoiteço. Finjo que existe algo em mim que não és tu.

Sinto-te partir. Consciente que permiti. Que te deixei,
consciente que rasguei a alma para que sejas feliz.
Consciente que tenho lágrimas a roer-me a pele.
Que terei que as chorar infinitamente.
Que não consigo fingir que posso avançar, que posso ser feliz.
Em mim não existe esperança. Existe apenas a necessidade de te ver partir
e viveres a vida onde não coexisto com o teu sorriso.

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