sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Nascimento

Danço, livre, as pernas nuas e os pés a tocar a terra fria. A noite cobre-me a pele quente, enfeitiça-me o sorriso aberto. Vou mais longe, os dedos finos, as mãos que seguram o destino. O olhar agudo com que encaro a Lua. A noite trouxe a libertação da mágoa. De dia, teço, fio o chão, a garra com que te me rebelo. Sou Eu. Nem máscaras nem mentiras ocas. Avanço, firme. Os olhos já não me giram nas órbitas em busca da falha. A lógica já não me escraviza o corpo cansado. Aprendo e reaprendo os limites do ser. Cresço, mudo, sorrio. Deixo que a noite traga a minha voz cálida. Danço, livre. As mãos a agarrar o ar frio que me desperta os sentidos. A soma de tudo o que fui. Rio. Num êxtase que só alcança quem sofreu, quem sangrou em dias mais pequenos. Existe magia, existe verdade, existe breu e luz, existem começos e fins. As linhas do tempo curvam-se perante a beleza de uma alma crua. Envolvem-me os pulsos. Enredam-se nos cabelos. Perfumam-me. Danço, livre. Num orgasmo de descoberta e realização. Aceito a mão fria que a noite me estende. Alta. Esbelta. Vejo os pés brancos por baixo do vestido negro pontuado de estrelas. A Noite sorri-me. Os dentes brancos, os lábios rubros. Faz-me rodopiar nos seus braços. As minhas gargalhadas ecoam nas árvores. Propagam-se pelo Lago. Sinto os lábios da Noite no meu pescoço. A sua língua húmida a deixar um rastro de prata. (morro e renasço todas as manhãs. fénix renascida por entre os escombros das palavras. cheia de significados e segredos. apaixonada pela loucura e pela coragem) Encosto a minha cabeça no ombro suave da Noite. Passeio os dedos pela alvura do seu colo. Esqueço tudo. Revivo tudo. Sou Eu. O tempo não existe. É uma mera armadilha que nos aprisiona as sinapses. Danço, livre. Rezo, canto, rio. Não faço qualquer som. Caio de joelhos na terra. Sinto os dedos da Noite enterrados nos meus ossos. Deito-me no chão duro. Sinto o fluir da terra, a seiva como sangue que alimenta. Através das pestanas espessas encaro a Lua. Sinto o cabelo negro da Noite enredado no meu. Ouço a sua respiração. Adormeço. Livre. Exausta. Para amanhã renascer. Maior. Agarrar a vida nas mãos. Fazer o Mundo girar. Sinto as asas nas costas, a quererem quebrar a barreira da carne. Sonho com as Fadas e o Mundo para lá do Mundo. A Noite sonha a meu lado.

1 Comment:

Patrícia Vieira Rebelo said...

«Rio. Num êxtase que só alcança quem sofreu, quem sangrou em dias mais pequenos.» - que frase deliciosa! É impressionante como as frases mais simples nos tocam por dentro.
Tu és assim. :)