terça-feira, 17 de novembro de 2009

A lenda IV

Chegou a casa. Deitou-se na cama e aninhou-se sobre si mesmo, esgotado, esgotado de sentir num grau de intimidade e intensidade que não suportava.
Iria esquecer a criança. A mulher. Os sonhos. O cheiro dela. A voz. O orgasmo.
Iria matá-la dentro de si.
Não suportava o laço que lhe pesava nos ombros, ela tão pequena, tão frágil, tão sua. Poderia estrilhaçá-la.
A ideia excitava-o, apelava à sua escuridão. Poderia apagar a luz do mundo. Queimar de si todo e qualquer vestigío de inocência.
Seria livre, completamente livre, não voltaria para ela, a ela.
Não queria que ela o amasse, não a queria. Não, não a queria.
Ela iria aprender que uma criatura de luz não fecunda a amargura fétida que espreita na escuridão.
Iria rasgá-la, iria magoá-la e ela partiria, para um qualquer lugar de luz que ele não sabia.
Deixaria de sentir a sua respiração, o seu semblante. Deixaria de procurá-la em mulheres que não o conheciam. Deixaria de estar enraizado.

0 Comments: